Em 2002 tive um breve diálogo com o Luiz Mattos, filósofo calvinista falecido em 2004. Na época eu estava começando na filosofia reformada. Foi interessante ouvir seus comentários sobre Wolterstorff e a Teologia da Libertação. Ele me recomendou a leitura de sua dissertação de doutorado, sobre o tema (que eu não consegui obter ainda); no próximo encontro da Rede (em Julho deste ano) vamos discutir um pouco as idéias de Wolterstorff.
Caro professor Luiz Mattos;
Tudo bem? Não sei se você se lembra de mim. Meu nome é Guilherme Carvalho. Sou de BH, e assisti a uma aula sua em 2001. Meu Pai (Elildo Carvalho) foi seu aluno. Pois bem: estou escrevendo porque eu e alguns professores aqui de BH estamos iniciando um núcleo de estudos interdisciplinares de orientação kuyperiana. Gostaria de estar em contato com filósofos reformados e de receber alguma ajuda, se você não se importar, é claro. Começo com uma pergunta: é possível fazer alguma conexão entre a epistemologia de Plantinga e a filosofia de Dooyeweerd? A primeira pode ajudar a esclarecer a intuição das esferas modais kuyperianas-dooyeweerdianas? Agora um pedido: tem como eu conseguir uma cópia de sua dissertação de doutorado (sobre a teologia da libertação)? É que eu estou pensando sobre as conexões (e descontinuidades também) entre a missão integral eo neocalvinismo (a propósito: li seu artigo na Fides e consegui uma cópia do Wolterstorff). Como sou neocalvinista convicto, sinto que há uns desajustes. Aguardo ansiosamente sua ajuda. Prof. Guilherme Carvalho. Faculdade Evangélica de Teologia de BH
Caro Guilherme,
Obrigado por seu e-mail. Você levanta várias questões muito interessantes. Terei muito prazer em manter um diálogo com você sobre elas. Prometo lhe enviar uma resposta, ao menos para aquelas sobre asquais já pensei um pouco a respeito, na próxima semana. Amanhã, terei uma reunião de planejamento do ano acadêmico 2003 com todos os professores do CPPGAJ, durante todo o dia. Grato por seu interesse e compreensão.
Luiz Mattos-----Mensagem original-----De: Guilherme Carvalho. Enviada em: quarta-feira, 13 de novembro de 2002 16:57Para: Luiz Mattos. Assunto: Epistemologia ReformadaCaro professor Luiz Mattos;
Tudo bem? Não sei se você se lembra de mim. Meu nome é Guilherme Carvalho. Sou de BH, e assisti a uma aula sua em 2001. Meu Pai (Elildo Carvalho) foi seu aluno. Pois bem: estou escrevendo porque eu e alguns professores aqui de BH estamos iniciando um núcleo de estudos interdisciplinares de orientação kuyperiana. Gostaria de estar em contato com filósofos reformados e de receber alguma ajuda, se você não se importar, é claro. Começo com uma pergunta: é possível fazer alguma conexão entre a epistemologia de Plantinga e a filosofia de Dooyeweerd? A primeira pode ajudar a esclarecer a intuição das esferas modais kuyperianas-dooyeweerdianas? Agora um pedido: tem como eu conseguir uma cópia de sua dissertação de doutorado (sobre a teologia da libertação)? É que eu estou pensando sobre as conexões (e descontinuidades também) entre a missão integral eo neocalvinismo (a propósito: li seu artigo na Fides e consegui uma cópia do Wolterstorff). Como sou neocalvinista convicto, sinto que há uns desajustes. Aguardo ansiosamente sua ajuda. Prof. Guilherme Carvalho. Faculdade Evangélica de Teologia de BH
Caro Guilherme,
Obrigado por seu e-mail. Você levanta várias questões muito interessantes. Terei muito prazer em manter um diálogo com você sobre elas. Prometo lhe enviar uma resposta, ao menos para aquelas sobre asquais já pensei um pouco a respeito, na próxima semana. Amanhã, terei uma reunião de planejamento do ano acadêmico 2003 com todos os professores do CPPGAJ, durante todo o dia. Grato por seu interesse e compreensão.
Caro Guilherme,
Uma vez mais obrigado por seu e-mail. Lamento minha demora em responder. Estive bastante atarefado nos últimos dias trabalhando no preparo do Processo Seletivo 2003, ao lado de outras responsabilidades, o que me impossibilitou de lhe escrever antes. Conto com sua compreensão.
NA verdade, embora tenha me esforçado não consegui me lembrar de você. Creio que tivemos um contato muito rápido. No entanto, lembro-me muito bem de seu pai, e de suas participações sempre muito positivas nos cursos que ensinei.
Parabéns pela iniciativa de iniciar um grupo de estudos interdisciplinares a partir de uma cosmovisão Kuyperiana. Como você já percebeu, Kuyper (e o neo-Calvinismo holandês) ainda é bastante desconhecido em nosso meio reformado aqui no Brasil. À sua semelhança, estou convencido de que a obra de Kuyper é de extrema importância para que desenvolvamos um Calvinismo que nos permita interagir responsável e apropriadamente com as diversas esferas de soberania identificadas por ele: Ciência, Arte, Estado, Economia, etc.
Quanto à sua pergunta acerca da potencial conexão entre os projetos de Dooyeweerd e Plantinga, faço as seguintes observações:
1. meu conhecimento de Dooyeweerd é limitado. Além de sua crítica a Van Til na obra Jerusalem and Athen Revisited, avaliei superficialmente apenas Roots of Western Culture. Entretanto, é evidente, como você observa em seu e-mail, e Wolterstorff reconhece em sua obra Until Justice and Peace Embrace, que o projeto de Dooyeweerd incorpora a noção Kuyperiana de Esferas de Soberania como uma realidade ontológica baseada na ordem da criação.
2. Em Roots of Western Culture, identifico os seguintes elementos da filosofia Dooyweerdiana pelos quais nutro apreciação:
a. Seu reconhecimento de que iniciar a investigação da realidade em qualquer dos vários campos do saber humano (Matemática, Ciências Naturais, Biologia, Psicologia, Lógica, História, Lingüística, Sociologia, Economia, Estética, Teoria Legal, Ética ou Ciência Moral), “sem a luz do verdadeiro conhecimento de Deus e de si mesmo” tenderá a gerar uma absolutização de um conhecimento específico e um conhecimento falso da realidade como um todo. A seguinte declaração de Dooyeweerd substancia este ponto [peço licença para citar o texto em inglês para não correr o risco desnecessário de problemas com a tradução] : “Whoever absolutizes one aspect of created reality cannot comprehend any aspect of the basis of its own inner character. He has a false view of reality. Although it is certainly possible that he may discover important moments of truth, he integrates these moments into a false view of the totality of reality.” [Dooyeweerd, Roots of Western Culture. Toronto: Wedge Publishing Foundation, 1979, p. 42. Desculpe-me a citação completa. É só para permitir a conferência do texto se você desejar]
b. Seu reconhecimento de que ainda que o incrédulo possua uma falsa perspectiva da totalidade da realidade, ele ainda possui glimpses [vislumbres] da verdade, ou nas palavras do próprio Dooyeweerd, “momentos de verdade.” Esta posição parece-me mais apropriada do que a perspectiva defendida por Van Til, em My Credo, onde ele parece rejeitar o acesso do incrédulo à verdade “whatsoever.” [Reconheço que minha análise da obra de Van Til é por demais simplificada neste e-mail]. Se você desejar maiores informações acerca do assunto, não restará alternativa senão fazer um curso comigo em Epistemologia Reformada quando o mesmo for oferecido.
3. Plantinga, em suas obra mais recente em Epistemologia, Warranted Christian Belief, não se preocupa em relacionar seu projeto com as esferas de soberania propostas por Kuyper/ Dooyeweerd. Seu projeto é, até onde o entendo, desenvolver uma apologética negativa, demonstrando a racionalidade da fé cristã, de forma a responder a potenciais questionamentos de incrédulos. Note, entretanto, que ele não se propõe ao desenvolvimento de uma filosofia racionalista, nem de uma apologética positiva. È convicção explícita de Plantinga que apenas a obra regeneradora do Espírito Santo pode levar à conversão e ao conhecimento de Deus. Não obstante, ele se dispõe a descrever racionalmente este processo, investigando a capacidade noética do ser humano antes e pós-queda, bem como os efeitos noéticos da ação do Espírito no homem regenerado.
4. A despeito de Warranted Christian Belief não fazer qualquer menção às esferas de soberania Kuyperianas, é possível identificar uma ênfase de Plantinga a elementos da estrutura da criação e aos efeitos da queda sobre os mesmos. Em outras palavras, não creio que Plantinga tivesse qualquer razão para rejeitar a perspectiva Kuyperiana.
Quanto à minha dissertação de doutorado, esclareço o seguinte:
1. A obra não é sobre a Teologia da Libertação. O título é “Uma Análise da Teologia e da Ética Social de Leonardo Boff.” O texto está em inglês. Há um exemplar na Biblioteca do Calvin, mas não creio que isso lhe será muito útil. Eu tenho original, mas você teria que aproveitar uma de suas vindas a São Paulo para verificar o que desejaria copiar. Num futuro não muito remoto, espero trabalhar na tradução e publicação da obra.
2. Não entendi exatamente o que você quis dizer em seu e-mail por “desajustes.” Os desajustes a que você se refere são entre a Teologia da Libertação e projeto neo-Calvinista? Entre minha interpretação de Wolterstorff e a intenção do autor em Until Justice and Peace Embrace? Entre a posição de Wolterstorff e a da Teologia da Libertação?
3. O que quer que você tenha em mente, é minha convicção que Wolterstorff, a despeito de ser um neo-Calvinista assumido, tentou se valer de alguns subsídios fornecidos pela Teologia da Libertação, tal como, a teoria da dependência por exemplo, promovendo um tipo de síntese entre neo-Calvinismo e TL. Não creio que ele tenha sido bem sucedido. Em minha dissertação, deixo isso claro, como você poderá observar, se vier a lê-la.
Espero que estas observações sejam úteis em seus estudos. Lamento uma vez mais minha demora em responder seu e-mail. Minha oração é que o Senhor continue a abençoá-lo em sua vida acadêmica e pessoal.