quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cristianismo Essencial: Ciclo de Palestras L'Abri - Junho


Vem aí o
IV Ciclo de Palestras L'Abri-Aket com o tema "Cristianismo Essencial"

A série aborda os temas centrais da fé cristã: o credo apostólico, a espiritualidade e a ética cristã; as virtudes teologais (fé, esperança e amor), a idéia de hospitalidade e o Senhorio de Cristo sobre o todo da vida.

O Preletor será Guilherme de Carvalho, obreiro do L'Abri e Pastor da Igreja Esperança.

O evento é uma promoção do Centro de Referência L'Abri Brasil e da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares, com o apoio da Claudinha e do Gute, nossos amigos do ministério Gerar.

Próxima Quarta (02/06): A Mensagem do Credo Apostólico

Datas e Horários:
As Palestras serão oferecidas durante o mês de junho, sempre às quartas feiras às 20h.

Local:
Rua Laplace, 36 B. Santa Lúcia

Informações:
Vanessa (31 - 9225-1923) ou Alessandra (31 - 84176211)

Ou por email: labri.brasil@gmail.com

FAVOR CONFIRMAR PRESENÇA POR TELEFONE OU EMAIL!

terça-feira, 25 de maio de 2010

A Busca da Felicidade e a Missão da Igreja Hoje

Caros leitores,

a propósito dessa nova discussão sobre a inclusão do "direito à felicidade" na constituição brasileira (veja AQUI), deixo um texto que em breve será publicado em outro lugar. Começamos essa discussão no L'Abri em 2008, e tenho certeza que ela ainda vai longe!

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Há quase duzentos e trinta e cinco anos, em 04 de Julho de 1776, os fundadores dos Estados Unidos da América aprovaram, no Segundo Congresso Continental, a sua declaração de independência. O teor dessa declaração trouxe profundas implicações para a história do mundo até a atualidade:

“Nós sustentamos serem essas Verdades autoevidentes, de que todos os Homens são criados iguais, e que são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão a Vida, Liberdade, e a Busca da Felicidade – e que para assegurar esses Direitos, Governos são instituídos entre os homens [...]”

E assim, pela primeira vez na história do mundo, a felicidade deixou de ser um luxo, ou uma ilusão cinicamente desprezada, ou um objeto de atenção filosófica e de inquirição pessoal, para se tornar em um projeto sociopolítico. Desde então se tornou matéria de direito natural, de princípio político, de projeto cultural.

Cada um de nós foi de um modo ou outro atingido por essas idéias: elas influenciaram meus conterrâneos, na inconfidência mineira; influenciaram os revolucionários franceses, e assim, indiretamente, aos republicanos brasileiros; e formaram a base de um sistema de cultura no qual estamos metidos até o pescoço. Por isso não apenas americanos, mas brasileiros, europeus, africanos e asiáticos se identificaram com o personagem principal do filme “À Procura da Felicidade”, estrelado por Will Smith. No filme o personagem confessa abertamente que “Thomas Jefferson era um gênio” – Jefferson foi redator da Declaração de Independência.

Quem assistiu ao filme com atenção pode ter sentido um pequeno incômodo. Não era um filme meloso sobre Pai e filho; era um filme sobre política. O diretor contou uma história, e com ela quis dizer: é assim que deve ser, oportunidades iguais, seja para o pobre, seja para o rico; se você lutar de verdade, você pode vencer na vida. Não será fácil, mas você pode chegar lá. Ninguém vai facilitar, nem dar nada de mão beijada; mas as estradas para a felicidade são públicas e democráticas. E no fim do filme ficamos sabendo que o personagem se tornou muito feliz. Pois ele ficou milionário...

De certa forma, era disso mesmo que a declaração de independência falava. Pois suas idéias sobre direitos naturais do homem se baseavam em John Locke, que falava, hora em “busca da felicidade”, hora em “propriedade”. De fato, na Constituição Americana, escrita doze anos depois, a quinta emenda substituiu “busca da felicidade” por “propriedade”, falando assim em “Vida, Liberdade e Propriedade”.

Uma vez livres do rei da Inglaterra os norte-americanos puseram-se a buscar a felicidade, através da propriedade; e quando o sistema econômico se metamorfoseou de capitalismo mercantil para capitalismo industrial, e depois para capitalismo de consumo, o conceito de felicidade também se metamorfoseou.

E assim chegamos ao mundo de hoje: felicidade é consumir: ter poder de compra, para desfrutar das mídias (televisão, internet, celular), para adquirir produtos atualizados... Trabalhar, sim, para poder consumir mais. Poupança não; comunidade não; o que se quer nessa sociedade é ser livre para fazer escolhas, para customizar a totalidade da experiência. Para tanto, o melhor é sermos uma sociedade de indivíduos que buscam narcisicamente a própria satisfação.

Nessa sociedade de indivíduos-consumidores, que Gilles Lipovetsky chamou de sociedade de hiperconsumo, dá-se um paradoxo: na medida em que aumenta o conforto, o prazer, o consumo, a satisfação dos desejos, aumenta igualmente a depressão, a frustração com os relacionamentos; a infelicidade. Que busca é essa, que não chega?

O mercado se alimenta da infelicidade, na medida em que manipula, refina e departamentaliza a insatisfação humana; mas também oferece fantásticos substitutos da religião, promovendo a sua oni- “Presença” (como certo Banco brasileiro) e seu poder de realizar fantasias. E como o prazer exterior é efêmero, o mercado desenvolveu também a possibilidade de renovar permanentemente as experiências de alegria através do aperfeiçoamento dos produtos e do atendimento.

Nesse universo, o Estado é o grande mediador. Ele passa a existir para mediar o relacionamento entre indivíduos narcisistas, que já não sabem viver em comunidade, e não conseguem resolver nada a não ser por meio de leis; e mantém também o mercado sob controle. Torna-se assim uma espécie de “gerenciador do narcisismo”.

Sem dúvida, há muitas pessoas e instituições trabalhando por fins mais nobres, como o fim da fome, da pobreza, da exclusão social, do preconceito. E o governo Brasileiro tem se mostrado solícito no apoio a essas iniciativas, além das suas próprias realizações. Mas precisamos ser honestos o suficiente para reconhecer que o fim disso tudo é quase sempre integrar todas as pessoas em um mesmo sistema cultural doente, que é o sistema da busca narcísica da felicidade.

Podemos nós, cristãos evangélicos brasileiros, falar em felicidade nesse universo? Eu creio que sim.

Ao invés de desenvolver técnicas de manipulação do desejo (como o mercado) ou meramente administrar e mediar entre indivíduos narcísicos (como o Estado), a Igreja deve pastorear o desejo.

Não se trata de negar a tecnologia, nem os seus benefícios, nem de proibir o consumo, nem de reprimir a liberdade individual; mas de mostrar a verdadeira relação dessas coisas com a felicidade. Pastorear o desejo significa ensinar às pessoas a verdadeira felicidade, libertando-as do narcisismo e das falsas promessas da sociedade de hiperconsumo para a fé em Cristo, e ensinando-as a utilizar os benefícios da modernidade com responsabilidade, de forma cristocêntrica.

Eu consideraria esse um dos maiores desafios da Igreja hoje: mostrar que os deuses desse Egito moderno são falsos, para que as pessoas se ponham a caminhar para o “deserto”, rumo à terra prometida. Segundo a minha percepção, anunciar Cristo como o caminho para a felicidade humana é lançar um tremendo desafio ao mundo moderno: pois implica em negar que o Governo e o Mercado sejam capazes de salvar os homens.

Anunciar o ano aceitável do Senhor significa anunciar o tempo de descanso para terra e da libertação dos escravos; a cura para os doentes e a restauração da vista aos cegos. No contexto da sociedade atual, o ano do Senhor implica também em ser livrado da necessidade acelerar o crescimento econômico e competir com a China, e assim conservar a biodiversidade brasileira; em ser curado da doença do desejo insatisfeito para obter o equilíbrio do amor; da cegueira narcísica para ver o outro além de mim mesmo; da escravidão do consumo individualista para encontrar deleite na comunidade e no serviço; da escravidão da carreira para dedicar tempo à família, mesmo sabendo que isso não ajudará em nada a ascensão profissional.

Tudo isso pode parecer difícil, mas não se trata de sacrifício heróico. Trata-se, antes, daquilo que deve acontecer quando vivemos a partir de um novo centro, que reorganiza as nossas prioridades. Trata-se de preferir o maná aos alhos e cebolas de Faraó.

A era hipermoderna e hiperconsumista é o tempo de uma nova missão; não apenas com o propósito de conquistar os não-evangélicos para as nossas igrejas, mas para alcançar todos os brasileiros com a Verdade. É urgente uma missão externa e também interna, que anuncie em Cristo a verdadeira felicidade, e eduque o povo de Deus para viver no mundo com sabedoria, sem cair no erro de tentar arrancar a felicidade das coisas temporais.

Se desejamos promover a felicidade do povo brasileiro, precisamos lutar pela melhora de suas condições de vida; mas precisamos também ensiná-lo sobre o que fazer com suas vidas. Precisamos apresentar uma resposta à moderna procura da felicidade; e a resposta é Jesus Cristo.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

No Crepúsculo do Pensamento Ocidental: Uma Introdução

Caros leitores,

preparei um texto de quarta capa para a Hagnos que apresento agora na íntegra. É um resumo do resumo!

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Desde a Reforma do século 16 os cristãos evangélicos têm lutado para manter a fidelidade bíblica e o valor contemporâneo da teologia cristã. Seria possível fazer o mesmo no campo da filosofia? Seria possível construir uma filosofia cristã na tradição da Reforma?

Embora muitos tenham respondido que não, o século 20 viu nascer um pequeno movimento que desenvolveu uma abordagem cristã reformada para os problemas da filosofia. No centro desse movimento estava o filósofo holandês Herman Dooyeweerd, cuja extensa obra é apresentada pela primeira vez ao público de língua portuguesa através dessa introdução, preparada por ele mesmo: “No Crepúsculo do Pensamento Ocidental: estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico”, lançamento da Editora Hagnos.

A obra se baseia em uma série de palestras apresentadas por Dooyeweerd em sua turnê pela América do Norte no final dos anos cinquenta. As palestras reunidas pelo próprio autor foram publicadas em 1960 e reimpressas em 1968 com correções, tornando-se uma espécie de introdução à sua obra magna: “A New Critique of Theoretical Thought”, em quatro volumes e ainda sem tradução para o português.

No “Crepúsculo” Dooyeweerd apresenta um articulado desafio à noção moderna popular de que o pensamento teórico em geral (especialmente nas disciplinas acadêmicas) e o pensamento filosófico em particular seriam “neutros” em relação à religião. Embora pouca gente hoje em dia acredite na neutralidade do pensamento em relação à cultura, ao sistema econômico ou aos valores sociais, a busca de neutralidade em relação a preconceitos religiosos era e continua sendo um dogma no mundo acadêmico e na política.

Utilizando métodos filosóficos Dooyeweerd mostra que por trás de toda teoria científica ou movimento intelectual existe uma orientação religiosa básica que pode ser trazida à luz, e que não é possível encontrar uma base “neutra” para escolher entre uma ou outra visão religiosa. Pelo contrário, toda escolha teórica sempre pressupõe um posicionamento religioso suprateórico, e os diferentes “standpoints” religiosos são de certa forma incomensuráveis. Quando alguém decide pensar sobre a religião, seus pés já estão apoiados em algum fundamento, saiba ele disso ou não.

Com isso Dooyeweerd torna claro por que a ciência e a filosofia são relativas à espiritualidade; e que por isso mesmo o cristão estaria plenamente justificado, “prima facie”, ao fazer escolhas teóricas e estabelecer programas de pesquisa baseados em uma visão cristã de mundo.

Dooyeweerd encara ainda o desafio de criticar um aparente inimigo do “dogma” da autonomia da razão: o relativismo historicista, que é uma das fontes do pensamento pós-moderno (pragmatismo, hermenêutica, desconstrução, etc.). Na obra o filósofo traz à luz as raízes do historicismo em uma forma específica de absolutização do pensamento teórico, que causa a sua própria contradição; e com isso deixa claro que, ao refutar a autonomia da razão, ele não propõe a dissolução da verdade no ácido do relativismo. Pelo contrário, a fé é necessária para manter a razão sóbria.

Na terceira parte do livro Dooyeweerd encara o espinhoso problema das relações entre a filosofia e a teologia, propondo um caminho original: ele retém a noção de Tomás de Aquino, de que deve-se distinguir entre essas duas disciplinas, e a proposta de Agostinho, de que a filosofia deve ser transformada a partir da fé cristã. Isso lhe dá condições de apontar a falha das teologias que tentam acomodar a revelação a conceitos filosóficos oriundos de sistemas pagãos ou seculares, e também o caminho para uma reforma da própria teologia, a partir da reforma desses conceitos filosóficos.

Na última seção do livro Dooyeweerd toca naquele assunto que revela o “etos” de seu projeto e nos faz ver o caminho que o diálogo de cristianismo e cultura deve tomar hoje: a busca por uma antropologia radicalmente bíblica. Segundo o autor, na base de cada sistema filosófico está o entendimento que o homem tem de si mesmo e de sua relação com a origem divina de todas as coisas. A questão do autoconhecimento – “gnōthi seauton” em Sócrates, “Deum et animam Scire” em Agostinho – é a questão filosófica central.

Ora, quando o homem adere a um ídolo, não pode mais saber quem é. E porque não se conhece, sempre construirá formas de pensamento e de cultura nas quais aspectos fundamentais de sua identidade enquanto imagem de Deus serão distorcidos ou reprimidos. Essa é exatamente a razão por que a cultura ocidental vem aos poucos minando a dignidade do homem e despersonalizando-o.

A única cura genuína para o presente estado de coisas - diz Dooyeweerd - será a retomada de uma visão pura do homem como ser pessoal, integrado e espiritual. E isso só pode ser dado pela Palavra de Deus atuando no coração do homem. Mas para ser capaz de anunciar essa verdade de forma clara e transformadora o cristianismo precisará fazer escolhas, e a mais importante delas será a desistência dos métodos de acomodação – das tentativas de acoplar exteriormente a fé cristã a cosmovisões não cristãs como o existencialismo, o pós-modernismo, o socialismo, o liberalismo econômico ou o naturalismo, para citar apenas algumas. No campo das ideias, em especial, os cristãos deverão repensar os conceitos fundamentais e as teorias dominantes em cada disciplina, promovendo a sua reforma interna a partir da Palavra de Deus.

Há que se enfrentar com fôlego e coragem esse desafio. O próprio Dooyeweerd fundou, juntamente com diversos companheiros, uma associação de filosofia cristã e uma revista científica, até hoje em circulação. E na esteira de seu trabalho pioneiro filósofos e acadêmicos cristãos se levantaram nos mais diversos campos do conhecimento, como a ética, a ciência política, a história, a teoria estética, a psicologia ou a tecnologia da informação. Hoje o movimento da filosofia reformacional tornou-se uma comunidade internacional e produtiva – no julgamento de alguns, como o historiador americano George Marsden, a maior promessa para dar estabilidade e orientação para o cristianismo evangélico ocidental no século 21.

Cremos que o contato com a tradição reformacional – mais do que apenas com Dooyeweerd, que foi um de seus fundadores – é salutar para o cristianismo brasileiro, que ainda luta para ganhar maturidade. De fato já há no Brasil um movimento articulado e consciente da necessidade de diálogo com a cultura e responsabilidade social: o movimento da missão integral, com uma rica história de boas ideias e bons exemplos. A tradição reformacional pode contribuir com um poderoso influxo construtivo para a expansão dos horizontes teóricos e práticos da missão da igreja brasileira, e nos preparar melhor para pós-modernidade verde-e-amarela que já surge no horizonte.