segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Família Carvalho em L'Abri - Relatório 05

FAMÍLIA CARVALHO

PROJETO PRO-L’ABRI BRASIL

RELATÓRIO 05 - AGOSTO A OUTUBRO DE 2007

L'Abri Fellowship Netherlands

Huize Kortenhoeve
Burgemeester Verbrugweg 40

4024 HR ECK EN WIEL

De Greatham a Eck en Wiel

No comecinho do mês de Agosto terminou o segundo termo (de Verão) no L’Abri da Inglaterra. Foi um termo maravilhoso, bem melhor do que o primeiro – em parte porque pegamos a primavera e o verão, em parte porque o nosso inglês estava melhor, em parte porque o Rodolfo estava com a gente.

Pouco antes concluiu-se também o ano letivo Inglês (19 de Julho), que vai de Setembro a Julho. Assim as meninas tiveram as suas férias de verão curtindo os jardins do L’Abri. Maravilha, não é? Férias de verão duas vezes seguidas: em julho e em janeiro próximo...

O tempo de estudos das meninas foi excelente. A Ana Elisa foi muito bem na escola, com elogios das professoras e do diretor, Mr. Ranald, que se tornou um grande amigo dela. A escola fez uma despedida especial, oferecendo um cartão enorme com assinaturas dos alunos e dos professores. Ela foi muito querida na escola. A Helena também curtiu o tempo na Nursery. Foi importante especialmente para introduzi-la no inglês. Ela pôde inclusive participar bem do coralzinho de encerramento das aulas. Uma graça! Bem ao seu estilo (ou ao meu, dirá a minha mãe), no entanto, negou-se a participar das brincadeiras e competições do último dia de aula.

Durante o mês de Agosto tivemos as últimas oportunidades de convidar os workers para refeições no Back Flat. Recebemos também Tom e Lizzie Smiley, da Hope Church, e Marsh e Tula Moyle, de novo. Eu e Marsh tivemos umas conversas muito boas sobre o sistema do City Gate, o ministério dele na Eslováquia, que ele está transferindo para Hampshire. Marsh teve a oportunidade de confirmar – e foi muito claro a respeito: o Shepherd’s Pie da Alessandra é o melhor que ele já comeu na Inglaterra! Isto é que é “inculturação”, hein?

No princípio de setembro teve início o terceiro termo do L’Abri, e na mesma semana (09 de Setembro) preguei o meu primeiro sermão em Inglês. Foi uma experiência fantástica, por um lado, e terrificante por outro. O tema do meu sermão foi “O Chamado de Deus e a Situação Humana: Como eles se relacionam?” (God’s Calling and Human Situation: How do they Relate?), baseado em 1Coríntios 7.1-40. Meu argumento, basicamente, foi o de que Paulo não é meramente um conservador social, batizando injustiças sociais por meio de seu conceito de “permanecer na condição em que cada um foi chamado”. Baseando-me em interpretações recentes de estudos arqueológicos e socioliterários da sociedade coríntia do século I, procurei mostrar que tanto as recomendações de Paulo as casados e aos servos, como aos solteiros, representaram um desafio às injustiças estruturais de Corinto; aos casados e servos, ao exigir uma postura redentiva dentro das estruturas sociais; as últimas, por sugerir uma postura contracultural (ficar sem se casar para se dedicar ao Senhor), com base na posse de um dom para tanto. A Alessandra cantou uma cântico em português, antes do sermão.

O pessoal reagiu muito bem. Andrew e Marsh disseram que agora tem até uma base bíblica mais clara para o trabalho de ministérios “para-eclesiásticos” como o próprio L’Abri. Vários membros da Igreja foram bastante ajudados – Sue Halliday, por exemplo. Sue, que é professora de na Surrey University e diretora da Christian Academic Network, me disse que estava estudando 1Coríntios 7 há várias semanas, tentando achar uma solução para este “conservadorismo” aparente de Paulo, e teve suas questões respondidas com o sermão. Isso me deu um pouco mais de confiança; acho que Deus está dando graça para a gente se comunicar com as pessoas. Quanto à canção da Alessandra, o pessoal adorou. Muitos conhecem bem o espanhol e puderam acompanhar a letra.

Nos dias 11 a 12 de Setembro eu e o Stefan Lindholm (worker do L’Abri Inglês) fomos para Oxford, para a Congresso anual da British Society for Philosophy of Religion, no Queen Elizabeth Hall. De novo, uma experiência fabulosa. No congresso estavam presentes figuras como Richard Swinburne, Peter Van Inwagen, Brian Leftow (recentemente roubado dos americanos pela Universidade de Oxford) e o calvinista Paul Helm, alem de diversos outros luminares. Foi uma conferência grande, com cerca de 150 filósofos e teólogos, na maioria professores, e muitas comunicações científicas de alto nível.

Na manhã do dia 12 pudemos bater um papo com o Dr. Paul Helm sobre filosofia e teologia. Paul, que foi homenageado no congresso, é um dos líderes na crítica aos esforços de refazer o conceito de Deus a partir de uma ou outra forma de teologia do processo – ele vem defendendo insistentemente, e com extrema competência técnica, a simplicidade e imutabilidade de Deus, ao lado de Swinburne e outros. Paul se tornou o mais influente teólogo calvinista da Inglaterra na atualidade, respeitadíssimo apesar de sua postura mais “linha dura”, na visão de alguns. No final ele pagou o nosso almoço – cortesia de professor – e voltamos correndo para pegar as palestras da tarde.

Para dar uma conferida nas idéias do Dr. Paul Helm, confira o seu blog - com um título bem oportunista: "Helm's Deep" !

O congresso foi excelente, para compreender o clima da filosofia cristã anglo-saxônica. Ficou bem claro para mim que o enfoque é, sem dúvida nenhuma, muito mais metafísico e teontológico, focado na justificação racional e elaboração do conceito de Deus. Muitíssimo diferente do etos da filosofia reformacional continental, na linha que une Kuyper e Schaeffer, que é muito mais antropológica, muito mais focada no significado da criação, do ser humano, e na tarefa cristã no mundo. Devo dizer que prefiro esta última forma, mas não descarto a necessidade de elaborar o conceito de Deus filosoficamente. É possível “reformacionar” Paul Helm? Seria Thomas Torrance uma via de diálogo? Questões para os meus próximos vinte anos de reflexão.

Voltamos de carro na noite de 12 de setembro, não sem alguma dificuldade – o Stefan se perdeu no caminho e a gasolina quase acabou – e chegamos em Greatham de madrugada. Foram algumas horinhas para dormir e levantar cedinho no dia 13 de setembro, para a nossa viagem ao L’Abri da Holanda, em Eck em Wiel. Viagem igualmente conturbada – tivemos que reorganizar a bagagem na última hora, porque estávamos levando malas demais (lugar-comum para que já conhece Easy Jet), e quase perdemos o avião porque eu demorei demais no caixa trocando dinheiro! Mas, finalmente, chegamos à terra dos moinhos...

Rotina e Trabalho "Holandês"

Estamos completando dois meses na Holanda! O L’Abri holandês tem a mesma característica marcante do L’Abri da Inglaterra: a hospitalidade. Fomos muito bem recebidos e, embora nosso lugar aqui seja bem pequeno, o coração das pessoas é grande! A equipe de workers é menor também: Henk e Riana, Robb e Christa, Berryl e, nos fins de semana, temos a presença de Wim e Gretha Rietkerk, que ajudaram a fundar o L’Abri Holandês com Hans Rookmaker. Wim é atualmente o chairman de L’Abri Fellowship International, e político em Utrecht, pelo partido da União Cristã (o novo partido Kuyperiano da holanda).

A rotina aqui é um pouco mais intensa do que em Greatham. As meninas não têm escola como na Inglaterra, de modo que temos que olhá-las o dia inteiro. Além disso, todas as refeições são compartilhadas com os estudantes, e temos fins de semana muito intensos. As “themeweekends” (fins de semana temáticos) são uma combinação de trabalho e palestras; temos também as “workweekends” (fins de semana de trabalho) e “filmweekends” (fins de semana de filmes).

A Aninha tem todos os dias um tempo de leitura e está estudando principalmente matemática. Está também tendo algumas aulas de piano. E a Helena desenha o dia inteiro. Está cheia de cadernos com desenhos de princesas, barcos, e outras coisas. A Lê é "helper" e responsável aqui pela lavanderia, cujo horário é mais disperso durante o dia. Então ela fica livre da escala normal dos estudantes, e gasta boa parte da manhã ensinando matemática para a Ana Elisa.

Meu horário é mais de acordo com a rotina dos estudantes – estudos de manhã e trabalho à tarde. Mas como vim com a família, temos algumas regalias – meu trabalho vai apenas até à hora do chá, às 16h30. E pode ser de qualquer tipo: ajudar na construção do segundo andar da casa do Rob, no telhado, organizar o Galpão, lavar banheiro, cortar grama, aspirar a casa, pintar janelas, envernizar as portas da Study Room, retirar as folhas do gramado ou ajudar na cozinha. Mas de vez em quando o Robb, um ser de bom coração, me manda andar de bicicleta com a Ana Elisa, para a inveja de meus camaradas: “dady’s work”. A propósito, a Aninha aprendeu a andar de bicicleta aqui, na Holanda! Haveria um lugar mais apropriado?

Enfim, tive também uma experiência inicial de tutoria, com um estudante alemão chamado Reinhardt, e a oportunidade de pregar num domingo na capela. O tema do meu sermão foi “A Lógica da Esperança” (The Logic of Hope), baseado em Sl 13. Fiz uma espécie de exposição teológica focalizando o conceito de esperança e ao mesmo tempo criticando as noções humanistas de esperança. Usei, como ilustração da “falsa” esperança, as pinturas de Gustave Klimt, esperança I e II (nas quais a esperança se relaciona à gravidez, ou seja, ao lado positivo do ciclo biológico de vida e morte), e para falar da verdadeira esperança, pinturas da ressurreição por Matthias Grünewald (ao lado) e Rembrandt (porque a ressurreição é a salvação pessoal, além do ciclo impessoal da natureza).

Rodolfo apresentou duas Lectures sobre o pensamento de Kierkegaard, e uma terceira sobre uma visão Integral do Cristianismo. Esta última, em especial, foi um grande sucesso. Vários estudantes se sentiram renovados com a perspectiva que ele trouxe. No dia 30 de Outubro Rodolfo voltou ao Brasil, numa viagem conturbada (ele quase perdeu dois vôos, teve que trocar de malas, e teve apenas 25 minutos para reorganizar a bagagem em Greatham; um dia de pânico, enfim). E me mandou uma foto com o que creio ter sido uma das causas de seu desespero:


Estudo

Alessandra tem usado o pouco tempo que sobra para estudar um pouco de história da arte, principalmente. Temos planos de desenvolver melhor esta área em nosso trabalho a partir do ano que vem. Hans Rookmaker, que ajudou a fundar este “branch” do L’Abri, era historiador da arte e professor na Amsterdam Vrije Universiteit, ou VU (Universidade Livre de Amsterdam), fundada por Kuyper. Há uma tradição de lidar com arte aqui.

Recebemos muito apoio dos workers para desenvolver melhor esta área. O Henk tem dado uma imensa ajuda com seus conhecimentos de música clássica, e eu venho ocupando parte do tempo ouvindo tapes de Rookmaker e de Ellis Potter, um músico profissional que se converteu do Budismo em L’Abri, com Francis Schaeffer. Ele se tornou worker no L’Abri e agora é pastor em Basel, na Suíça. Mas como eu ia dizendo, os workers nos ajudaram até financeiramente (presente de 12 anos de casamento!), e pudemos visitar alguns museus mais – primeiro, para comemorar o aniversário da Alessandra no dia 03 de outubro, fomos ao museu histórico de Amsterdam, ao museu Van Gogh, e ao Rijksmuseum, o maior da Holanda. Lá pudemos ver boa parte da pintura holandesa da “Golden Age” (Rembrandt, Vermeer, Lastman, e outros), especialmente os “landscapes” e os interiores domésticos. A Lê também foi no Anne Frank e eu à Rembrandt House. Em Paris, fomos ainda ao Louvre, ao Museé D’Orsay, onde está boa parte da pintura impressionista (Renoir, Monet, etc) e ao Georges Pompidou, de arte moderna. Foram experiências importantes porque, como dissemos antes, o contato e reflexão sobre a arte é uma tradição de L’Abri. Basta ler um dos livros da trilogia de Schaeffer para ver a crítica da arte pipocando em suas reflexões.

Além de estudar um pouco de cristianismo e arte, continuei lidando com as questões de religião e ciência. Iniciei a tradução dos “Faraday Papers”, e estou concluindo o quarto paper agora. Estou ao mesmo tempo lendo a dissertação de mestrado do Henk (o líder do L’Abri Holandês) na Universidade Livre de Amsterdam (intitulada: “Nanotecnologia e os Limites da nossa Capacidade de Design”). Henk foi aluno de um mestrado especial da VU sobre Estudos de Cristianismo e Cultura, e se especializou em questões de ciência e tecnologia. É bastante informado sobre todo o debate de religião e ciência, e temas relacionados ao Design Inteligente. Como eu, ele é crítico tanto da explicação neodarwinista do mecanismo evolucionário como do dualismo implícito na teoria do Design Inteligente.

O L'Abri "Schaefferiano" e o L'Abri "Rookmaakeriano"

Os dois meses no L’Abri holandês me conduziram a uma conclusão curiosíssima, da qual eu já suspeitava, mas não tinha nenhuma referência escrita para confirmar. Toda a noção Schaefferiana de “mannishness” (“hombridade”, ou “a qualidade de ser humano”) sempre me pareceu ter vindo diretamente das idéias neocalvinistas (Dooyeweerdianas, para ser preciso) sobre a natureza integral e central do ser humano. Além do mais, a crítica da cultura ocidental apresentada por Schaeffer em “A Morte da Razão” é demasiado semelhante à crítica do pensamento ocidental desenvolvida por Dooyeweerd, e exposta mais claramente em “The Roots of Western Culture: Pagan, Secular and Christian Options”. Eu já sabia que Schaeffer havia estudado com Cornelius Van Til em Westminster (e Van Til foi influenciado por Kuyper e Dooyeweerd), e já tinha observado que Schaeffer emprega bastante Rookmaker em sua trilogia, mas me faltavam evidências mais positivas. E eu nunca tinha visto ninguém dizer isso.

Pois bem; qual não foi a minha surpresa, ouvindo um tape de Hans Rookmaker (na foto à direita) intitulado “A Dutch-Christian View of Philosophy”, ao descobrir o próprio Rookmaker dizendo isso! De acordo com o seu relato, após ser introduzido à filosofia de Dooyeweerd em um campo de prisioneiros na segunda guerra mundial, ele começou a trabalhar com o tema da arte, e anos depois foi apresentado a Schaeffer. Eles passaram uma noite inteira conversando (até de manhã) tornando-se amigos imediatamente, e se deram bem a vida toda. Em seguida Rookmaker diz claramente que transmitiu algumas idéias a Schaeffer – idéias Dooyeweerdianas – que este absorveu criativamente em seu sistema. Rookmaker chega mesmo a dizer que “A Morte da Razão” é basicamente isto: uma versão simplificada de “In the Twilight of Western Thought”. Cito Rookmaker, a respeito de seu encontro com Schaeffer (palestra gravada em áudio):

“Deste modo eu pude, ao longo dos anos seguintes, transmitir um punhado de coisas a ele (Schaeffer), sem ser muito explícito. Quero dizer, eu não fui a ele dizendo simplesmente ‘Eu quero dizer isto a você’, mas nós discutimos muitas coisas; mas como eu fui treinado neste tipo de filosofia (Dooyeweerd), e... bem, então eu trouxe alguma coisa [...] algumas das coisas especiais de L’Abri tem a ver com o que estes holandeses desenvolveram ao longo do tempo. Assim, deste ponto de vista, simplesmente como um ponto de história, Dooyeweerd tem sido muito importante; é claro que Schaeffer foi em frente com essas coisas, trabalhou-as e trabalhou por si mesmo [...]”

“Nestes capítulos (“In the Twilight”, por Dooyeweerd) ele desenvolve alguma coisa que vocês encontrarão já traduzida em linguagem anglo-saxônica [...] se vocês lerem ‘A Morte da Razão’ (Francis Schaeffer). É basicamente a mesma coisa. Ele fala sobre Natureza e Graça, e coisas como estas – isto é o que Dooyeweerd vem desenvolvendo”

Andrew Fellows já havia expressado suas suspeitas nessa direção antes; mas aqui na Holanda todos se mostraram muito mais conscientes a respeito. Wim Wietkerk, que tanto viveu no L’Abri da Suíça com Schaeffer, como ajudou Rookmaker a fundar o L’Abri Holandês, defendeu a originalidade de Schaeffer em várias coisas, mas admitiu que a fonte última de sua visão sobre a “manishness” do homem que informa a apologética e o enfoque de L’Abri foi realmente o neocalvinismo holandês, via Hans Rookmaker.

Isto é um fato, a despeito de sua discordância evidente em alguns pontos. Rookmaker, por exemplo, nunca aceitou falar de “verdade absoluta” no sentido teórico ou doutrinal, como Schaeffer sempre enfatizou. Henk sempre ri quando se refere às declarações bombásticas de Rookmaker, que por vezes causavam frisson na comunidade L’Abriana:

“A única coisa de que temos certeza no universo é o próprio Deus. E o resto é simplesmente relativo a Deus [...]. O que dizemos, o que descobrimos, o que vemos, o que pensamos, o que sabemos não é certo [...] esta é uma coisa muito básica”

“Eu costumava dizer que a realidade envolve duas coisas: fatos e significado [...] Eu não creio nisso mais, porque realidade é significado [...] verdade objetiva é uma teoria, é uma invenção moderna [...] a ‘verdade objetiva’ é uma das coisas mais odiosas no mundo”

Muita gente ficou assustada, no L'Abri, quando Rookmaker expressou seu desgosto com a idéia de uma “verdade objetiva”. Mas para quem sabe ler, um pingo é letra: Rookmaker não estava rejeitando a existência da “verdade” (ele sempre concordou com Schaeffer sobre isto), mas o dogma da autonomia da razão, com sua implicação de que existiriam “fatos neutros”, independentemente do ponto de partida religioso do intérprete. O fato é que Rookmaker sempre foi estimado como um "segundo homem" do L'Abri, do ponto de vista de sua contribuição para uma mente cristã.

O L’Abri da Inglaterra foi fundado por Ranald Macaulay, um graduado de Cambridge, genro de Schaeffer (casou-se com Susan Schaeffer), e bem mais conservador do que Rookmaker. O L’Abri Inglês tem uma forma bem mais anglo-saxônica de teologia, diferente da que encontrei aqui na Holanda; talvez mais próxima de Schaeffer mesmo; mas bem plural, de qualquer modo, sob a liderança de Andrew Fellows. O L’Abri da Suíça é liderado por Greg Laughery, que se casou com outra filha de Schaffer. Lauguery estudou o pensamento de Paul Ricoeur na Universidade de Lausanne, em seu doutorado, tem mais diálogo com o pensamento pós-moderno.

E têm os outros: o L’Abri da Coréia, o de Massachussets, que tem as ênfases de Dick Keyes, o da Suécia, o de Rochester... Cada um com a sua cara particular. O L’Abri está muito, mas muito longe daquelas visões idealizadas no Brasil, tanto dos simpatizantes calvinistas como dos críticos (de diversas matizes), que pensam que L’Abri se resume aos livros do Schaeffer. Não, meus caros. É muito, mas muito mais do que isso...

A propósito: quem quiser criticar as idéias de Schaeffer, sem ser superficial, além de ler Schaeffer direito, deve ir às suas fontes, no neocalvinismo holandês. Em especial aqueles que desconfiam da crítica de Schaeffer a Tomás de Aquino. Por trás de Schaeffer está uma extensa e minuciosa crítica filosófica ao tomismo desenvolvida ao longo de algumas décadas, por um time de filósofos calvinistas. Eu sei que há uns dois anos atrás Schaeffer foi criticado por seu ataque a Tomás de Aquino em um dos Congressos de Teologia Vida Nova, no Brasil. Mas a crítica a um autor popular jamais será suficiente para refutar uma escola de pensamento. E pelo que sei, os críticos nem faziam idéia de quem inventou as idéias apresentadas em forma popular por Schaeffer. Ou seja, eles não tinham idéia de sobre o que estavam falando.

Enfim, em diria que o L’Abri Holandês é mais Rookmakeriano, ou mesmo Dooyeweerdiano. Por sinal, o atual ocupante da cadeira Herman Dooyeweerd na Universidade Livre de Amsterdam, foi worker no L’Abri holandês por vários anos.

Contatos

Wim Rietkerk, o atual líder internacional de L’Abri, é também um político em Utrecht. Em nosso primeiro domingo na Holanda ele nos levou (eu e Rodolfo) a um culto em uma Igreja Reformada na cidade de Wageningen, onde iria pregar – em holandês! Após dizer amém para a bênção apostólica – a única parte do culto em inglês – fomos apresentados por Wim ao Dr. Egbert Schuurman e sua esposa, e marcamos de visitá-los logo depois, para um café.

O Dr. Schuurman é um membro do Senado Federal Holandês (first chamber), pelo mesmo partido cristão-kuyperiano do Wim (Christian Union, clique aqui para ver), professor em três universidades e um dos líderes do pensamento neocalvinista do país. Sua área de estudo é a filosofia da tecnologia, da qual ele, juntamente com o antigo Dr. Van Riessen, é considerado praticamente o fundador por aqui. Tivemos um ótimo cafezinho no jardim de sua casa, conversando sobre filosofia, política, e Brasil. Schuurman, como o próprio Wim, ficou perplexo ao ouvir sobre a barulhenta direita evangélica que está surgindo no Brasil. Os Reformados na Holanda tem uma posição política própria, e são bem claros em dizer que não são de esquerda nem de direita. Porque nem o conservadorismo político nem o socialismo são conta de expressar a proposta cristã.

Eu também acho que, ao invés de seguir o PT ou debandar para o Olavismo, os crentes deveriam proclamar independência e investir na política cristã que os reformados vêm desenvolvendo há mais de um século a partir de Kuyper, e que avança, contra a maré, nos EUA, Inglaterra, Austrália, África do Sul e outros lugares. A propósito, o atual primeiro-ministro holandês é Kuyperiano-Dooyeweerdiano.

Na semana seguinte fomos a Wageningen de novo, para ouvir a aula de despedida do Dr. Schuurman, a respeito do desafio do Islã à tecnologia ocidental. Schuurman procurou mostrar os elementos relevantes e as falhas da crítica islâmica. Vários políticos e pensadores cristãos estiveram presentes para homenageá-lo, incluindo a direção da “Associação para a Filosofia Reformacional” (Stichting voor Reformatorische Wijsbegertee, ou SRW). Em seguida foi oferecida uma recepção, e pudemos dar um alô de novo para ele e outros como Bob Goudzwaard e Geertsema.

Na terceira semana de Outubro, eu e Rodolfo fomos a Soest, um pequeno vilarejo entre Utrecht e Amersfoort, para visitar o escritório e a biblioteca da Fundação para a Filosofia Reformacional (SRW). Nos encontramos com a diretora do Centro para a Filosofia Reformacional, Dra Hillie, que nos transmitiu algumas idéias interessantes sobre a sua estrutura de funcionamento e ofereceu ajuda para organizar uma biblioteca de filosofia reformacional para a AKET. Ela disse que se pudermos pagar as postagens, o Centro poderia nos dar livros. Isto foi realmente maravilhoso. Eu espero que este relacionamento cresça no futuro.

Agradecimentos, Desafios e Planos

Coisas para Agradecer a Deus:

Pelos nossos 12 anos de casados; pelo excelente relacionamento com os workers do L’Abri Holandês; pelos contatos com filósofos cristãos; pela benção divina de termos passado quase nove meses sem doenças ou acidentes sérios (afinal, não pudemos pagar um seguro de saúde aqui);

Temos algumas questões que demandam oração, a respeito de desdobramentos futuros:


1) No dia 01 de Dezembro será realizada a reunião anual dos Trustees do L’Abri, na qual eles decidem boa parte das questões organizacionais e ações para o ano seguinte. Nesta reunião eles discutirão o status dos “brasileiros”, e o que fazer a respeito do projeto. Seguindo a orientação do Wim, vamos encaminhar, por meio dele, um pedido formal para iniciarmos em 2008 como um L’Abri Resource Center (uma espécie de “Centro de Referência” que oferece cursos, distribui material, e organiza atividades como themeweekends, retiros, etc). A proposta será discutida e a resposta poderá ser: “sim” ou “vamos esperar mais um pouco”. Então precisamos orar a respeito, para que a vontade de Deus seja feita.

2) Caso a resposta seja “sim”, já para 2008, precisaremos ter um lugar. Uma das possibilidades abertas é compartilhar um excelente terreno oferecido pelos irmãos de A Rocha Brasil, em Arujá, perto de São Paulo. Mas não temos certeza ainda, até porque isto dependerá da decisão dos Trustees. Há uma possibilidade de permanecermos em Belo Horizonte, e neste caso precisaremos de uma casa para iniciar o trabalho. De todo modo, seja em Arujá ou em Beagá, precisaremos de recursos para manter uma propriedade. Então este é o segundo ponto de oração.

3) Vanessa Belmonte, outro membro do atual “grupo Pró-L’Abri”, já foi convidada por Andrew Fellows para ficar um tempo no L’Abri no ano de 2008, no primeiro semestre, preferencialmente. A sua ida será importante porque, idealmente, o L’Abri Brasil deveria começar com três “unidades” (em L’Abriês, tanto o worker solteiro como uma família de workers contam como “one unity”). Precisamos de oração e apoio para enviar a Vanessa para a Inglaterra no próximo ano.

4) No dia 26 de Novembro voltaremos ao Brasil. Não será uma viagem fácil: vamos tomar o trem em Tiel, outro trem em Utrecht para Schiphol, um vôo para a Inglaterra (Gattwick Airport), uma carona para o L’Abri Inglês em Greatham, para pegar as malas que deixamos lá, e outra carona para o aeroporto de Heathrow, de onde voaremos às 10h30 para Belo Horizonte – mas com uma escala em São Paulo! Precisamos de orações, mesmo...

Agradecemos todos os irmãos que vem nos apoiando neste projeto!

Abraços,

Guilherme, Alessandra, Ana Elisa e Helena Carvalho

PARA LER O NOSSO RELATÓRIO ANTERIOR, CLIQUE AQUI.


sábado, 10 de novembro de 2007

II Congresso da AKET!


Caros Amigos,

É com enorme satisfação que anunciamos o II Congresso da AKET, com o tema "Modernidade, Superficialidade e Cristianismo". Assim como na primeira edição em 2006, o congresso reúne acadêmicos e estudantes cristãos de diferentes campos do conhecimento empenhados no desenvolvimento de alternativas para a integração de fé e saber acadêmico.

O tema desta edição do congresso foi inspirado em um artigo do Doutor Matt Bonzo, apresentado no II Encontro da Rede Brasileira de Cosmovisão Cristã, ocorrido em julho de 2006. Nesse artigo (intitulado "Flat Lives"), ele relata como as diversas áreas da vida têm sido "achatadas" pela esfera econômica. As conseqüências disso podem ser facilmente sentidas nos tempos "pós-modernos" em que vivemos, onde países – e mesmo pessoas – são avaliados e valorizados pelo poder econômico que possuem. O Doutor Matt Bonzo, que é professor na Cornerstone University nos Estados Unidos, estará conosco este ano, apresentando uma continuação desse assunto.

Neste ano, o congresso conta também com a participação de mais um palestrante internacional, o Pr. Jonathan Muñoz Vásquez, do Chile. O Pastor Jonathan é um estudioso de Dooyeweerd e pretende falar – dentro do tema do congresso – sobre desafios e propostas para a Igreja na América Latina do Século XXI.

Como podemos perceber, este ano nosso congresso cresceu. Além de três ótimas participações brasileiras (Leonardo Ramos - chefe do depto de relações internacionais da
UniBH, Franklin Ferreira – anteriormente no Seminário Teológico Batista do Sul e agora na Missão Evangélica Literária/Editora Fiel, em SJC, e cuja Teologia Sistemática está em processo de publicação pela Edições Vida Nova, e Fabiano de Almeida Oliveira – professor da Universidade Mackenzie e especialista em Herman Dooyeweerd) teremos representantes dos Estados Unidos e do Chile. Isso nos faz perceber o tamanho do desafio que temos nessa missão de fazer academia e cristianismo "dialogarem" e ao mesmo tempo nos incentiva a prosseguir, porque sabemos que não estamos sozinhos!

Avise os amigos e programe-se para participar. A chamada para a inscrição de trabalhos já está aberta e todas as informações estão disponíveis no site http://www.aket.org.br/eventos.html.

Um abraço e nos vemos em novembro!

Giselle Nogueira Fontes, PhD
Vice-Presidente da AKET

sábado, 25 de agosto de 2007

Religião e Ciência em Cambridge!


Na terceira semana de Julho eu e Rodolfo viajamos para Cambridge (na foto, capela de um dos Colleges), para um curso de uma semana no Christian Heritage, dirigido por Ranald Macaulay. Ranald fundou o L'Abri da Inglaterra em 1971, e mais tarde se mudou para Cambridge - onde ele se graduou, na década de 60. O Christian Heritage funciona na Round Church (a "Igreja Redonda"), uma capela construída em 1130, pela irmandade do santo sepulcro, imitando o estilo desta igreja em Jerusalém. A Round Church é um dos edifícios mais antigos de Cambridge.

Christian Heritage é um ministério dedicado à recuperação e atualização da herança cristã ocidental e de Cambridge especialmente. Além de manter uma pequena livraria cristã, apresentar vídeos e materiais sobre a influência cristã de Cambridge (via, por exemplo, William Wilbeforce, o maior líder abolicionista inglês), e de coordenar passeios turísticos com este foco na cidade, o centro desenvolve um trabalho de treinamento apologético e juntamente com a organização European Leadership Forum, promove uma rede de acadêmicos e estudantes cristãos em nível de doutorado: The Cambridge Scholars Network.

No curso de teologia de verão deste ano o preletor foi Wayne Grudem. A experiência foi bem interessante, considerando que eu adotei a teologia sistemática de Grudem por diversas vezes nos cursos de teologia sistemática, como professor da FATE BH. E também utilizei bastante seus trabalhos em exegese do novo testamento grego em minha dissertação de mestrado pela Teológica Batista de São Paulo, sobre 1Coríntios 14, em 2003.

Grudem é bastante acessível, e um excelente palestrante. Embora eu e Rodolfo tenhamos divergido de suas idéias sobre economia política e meio ambiente (ele é um defensor do Neo-conservadorismo de David Landes, Huttington, e da escola de Harvard, em geral; e aprova as teses controversas de Bjorn Lomborg), apreciamos muito a sua abordagem geral ao que foi o tema do curso: A Doutrina da Escritura.


Eu e Rodolfo ganhamos uma bolsa completa para o curso, que foi realizado no Sidney-Sussex College, bem no centro histórico. Um lugar muito bonito, com excelente comida e acomodações. E com uma grande história também - um dos ex-alunos do Sydney-Sussex foi ninguém menos que Oliver Cromwell, o herói puritano anti-monarquista.


Ao final da semana Rodolfo retornou para o L'Abri e eu me transferi para o St. Edmund's College, para fazer um outro curso de duas semanas promovido pelo Faraday Institute for Science and Religion, desta vez na Universidade de Cambridge. Para fazer o curso foi preciso concorrer a uma das duas bolsas (cerca de 1000 libras). O outro ganhador foi o Romeno Bogdan, um candidato ao sacerdócio pela igreja ortodoxa romena, excelente pessoa.

O centro é dirigido pelo Dr. Denis Alexander, um fellow do St. Edmunds College e diretor de projetos científicos na área de medicina, Rev. Dr. Rodney Holder, pastor anglicano e cosmologista de Cambridge, e Dr. Bob White, professor de "earth sciences" e fellow da Royal Society. Todos são cristãos evangélicos e cientistas de alto nível. O nível dos professores também - gente de Oxford, Cambridge, Warwick, Wheaton (US), para mencionar algumas universidades.

De fato, os professores são literalmente top minds em seus campos (genética, biologia evolucionária, cosmologia, filosofia e ciências da mente, história da ciência, etc), bem como no diálogo de religião e ciência. Gente como o Dr. Paul Shellard (nas fotos, entre Rodney e Denis), por exemplo, que palestrou sobre o princípio cosmológico antrópico, é coordenador do COSMOS, um supercomputador britânico para estudos cosmológicos e astronômicos, ou John Hedley Brooke, um dos maiores historiadores da ciência na atualidade, ou Roger Trigg, fundador da sociedade britânica de filosofia, ou Ard Louis, diretor de um programa de estudos em sistemas químicos auto-organizatórios em Oxford, ou o Dr. John Polkinghorne, ex-diretor do Queens College em Cambridge, físico matemático (trabalhou com Paul Dirac) e ganhador do prêmio Templeton para o Progresso da Religião.

A propósito, o número de peixes grandes no congresso era absolutamente desproporcional (uns vinte), considerando-se o número de alunos (uns 30). Só haveria uma explicação possível para tal conjunção celeste: o financiamento do John Templeton, que banca o Faraday. De fato foi difícil de acreditar quando tínhamos em uma mesa, por exemplo, simultaneamente (da esquerda para a direita), John Hedley Brooke, Richard Harrison, John Polkinghorne, Ernan McMullin e Rodney Holder - e mais alguns peixes grandes na assistência.


O curso foi bem "transdoxástico" (para não dizer "ecumênico"): a linha geral do Faraday é evangélica, mas há cooperadores católicos e simpatizantes da religião. Vários deles foram muito influenciados por Schaeffer. Denis leu livros de Schaeffer no princípio de sua carreira, e sua esposa até mesmo foi ao L'Abri da Suíça. O Dr. Bryant (na foto) chegou a dizer que os livros de Schaeffer salvaram a sua fé, na juventude.

Aparentemente, as questões mais fundamentais no diálogo religião-ciência - como o sentido religioso do Big Bang - não tocam diretamente os pontos mais superficiais que separam as denominações cristãs (como o batismo), mas afetam as bases das principais tradições teológicas. Apesar disso, várias dessas questões teológicas bem sérias, como a natureza da ação providencial de Deus e sua relação com a física, ou a natureza da liberdade humana, do ponto de vista das ciências da mente, ou o status científico do Design pareciam receber respostas muito semelhantes. Isso pode ser sinal de um acordo teológico, com base no diálogo com a ciência, ou de uma falta de reflexão mais aprofundada do ponto de vista de cada tradição (católica, calvinista, luterana, etc). Eu não poderia dar a resposta neste momento.

Um ponto bem claro foi a rejeição, por quase todos, do assim-chamado "young earth creationism" (criacionismo da terra jovem) bem como do Design inteligente, descrito como "micro-design", o planejamento de cada entidade biológica individual. Ao invés disso, os cientistas defenderam o "macro-design" - a idéia de que Deus na verdade criou um conjunto de condições físicas que levariam necessariamente ao surgimento do homem. O chamado "princípio cosmológico antrópico", apresentado de forma rigorosa pela primeira vez por Frank Tipler e John Barrow (na charge publicada na Nature).

Para reunir a idéia do princípio cosmológico antrópico à teoria da evolução, eles vem recorrendo a teorias de emergência e níveis explanatórios (por exemplo, dizendo que a vida é uma forma de existência que se baseia no nível físico, mas é qualitativamente diferente, demandando uma explicação bio-lógica), estudando sistemas auto-organizatórios, e desenvolvendo aspectos pouco estudados da biologia contemporânea como o fenômeno da convergência evolucionária (quando animais se desenvolvendo em ambientes diverentes adquirem capacidades semelhantes).

Um momento muito interessante foi a apresentação do Dr. Ernest Lucas (na foto), pastor batista, cientista e professor de interpretação bíblica, autor de "Gênesis Hoje" (ABU editora), mostrando a coerência de Gênesis com a teoria da evolução.

De fato, há uma longa tradição de evangélicos, muitos deles calvinistas, que defendiam a coerência entre a doutrina da Criação e a teoria da evolução. Um dos mais famosos foi Benjamin Warfield (na foto), que foi um dos principais formuladores da doutrina da Inerrância Bíblica (vide seu artigo clássico na primeira edição da International Standard Bible Encyclopaedia) e teólogo calvinista da chamada "Old Princeton" (antes da saída do Gresham Machen para fundar o Westminster). Warfield sustentava que a teoria da evolução não é essencialmente contrária ao cristianismo bíblico, e deve ser harmonizada com a doutrina da inerrância bíblica. Outro teólogo calvinista recente, na mesma linha, é o Dr. Alister McGrath, cuja obra"Vida de Calvino" foi publicada em português pela Cultura Cristã.

De um modo geral, eu posso ver sentido no esforço do Faraday em reunir ciência, religião, e biologia evolucionária em especial. Concordei mais do que discordei, mas tenho ainda duas divergências principais: (1) penso que a polêmica de alguns dos professores (como a do biólogo católico Kenneth Miller) contra o DI não leva em consideração o suficiente a viabilidade racional de uma ciência do Design, mesmo que esta seja desenvolvida à parte do naturalismo metodológico tradicional (talvez como uma forma sofisticada de "teologia natural"), e independentemente da investigação biológica tradicional. Mas entendo que isto é em parte uma reação ao radicalismo de parte dos proponentes do Design Inteligente;

(2) não posso aceitar a tentativa de explicar a Queda do homem como a mera presença de impulsos animais egoístas, provenientes de estágios evolucionários anteriores. Essa não é a posição do Faraday propriamente, mas alguns palestrantes defenderam algo próximo disso, como o Dr. Ernan McMullin. A propósito, McMullin, que é um velhinho genial, foi membro de uma comissão do Vaticano que reexaminou a posição católica em relação a Galileu. E ele é colega de Alvin Plantinga no Centro para Filosofia e Religião da Notre Dame University. Quando perguntei o que ele achava da crítica de Alvin Plantinga ao naturalismo metodológico, a sua resposta foi: "it's really bad..." Rsrs... Bem, não concordo com o Dr. McMullin, mas também acho Plantinga pessimista demais a respeito.

Bem, o fato é que tenho razões não somente teológicas, mas filosóficas para acreditar que precisamos de uma Queda histórica do homem para explicar a universalidade do pecado e de Cristo - vide o que Kierkegaard no ensinou a respeito do pecado, por exemplo. A multidão não pode "pecar"; o lesa majestatis, o pecado com "P" maiúsculo, que é uma revolta teológica, só pode ser cometido por um indivíduo. Isso de uma queda "coletiva" e "atemporal" de Adão é uma balela filosófica - se defendida à parte de uma queda individual, naturalmente. O pecado é uma coisa intensamente pessoal e temporal.

Nas críticas à idéia de "Queda", às vezes se ridiculariza a noção de transmissão biológica do pecado original (como em Paul Ricoeur) - mas isso não é problema para os Calvinistas; Calvino já havia rejeitado isso no século XVI, sugerindo no lugar a noção de pacto e união federal. Penso que esta pode ser a melhor linha de defesa da viabilidade racional da crença em uma Queda histórica de um Adão histórico (talvez não necessariamente o primeiro homo sapiens, biologicamente, mas certamente o primeiro homem no estrito [homo religiosus], e o primeiro "representante federal"; de qualquer modo, um personagem histórico). Para lidar com o assunto então seria preciso integrar estudos antropológicos, filosofia moral e, talvez, psicologia. Em outras palavras: este aspecto dos estudos de teologia e ciência depende da entrada das ciências humanas na arena de debates.

Concordo com os criacionistas mais estritos em que a negação da historicidade e da inocência original de Adão e Eva entre parte dos evolucionistas teístas não faz justiça à autoridade bíblica. Precisamos, no entanto, dar um passo além, e explicar "porquê" este ensino bíblico deve ser considerado factual, relacionando-o com as outras doutrinas bíblicas e com os outros campos do conhecimento. A Bíblia diz que Deus fez a chuva, mas isso não é uma explicação filosófica ou científica da chuva. Explicar, em perspectiva cristã, é muito mais do que dizer "A Bíblia diz". O ensino bíblico é a base da explicação, não a explicação em si. O meu desacordo com os evolucionistas-teístas (ou parte deles) é que eles não são capazes de dizer: "A Bíblia diz". E o meu desacordo com os criacionistas (boa parte deles) é que eles só sabem dizer isso. Acho que precisamos de uma forma de criacionismo evolucionário, como o que Alister McGrath vem desenvolvendo.

E caso alguém me pergunte: sim, acho que o Richard Dawkins pode ser um caso de regressão no processo evolucionário; se, de fato, ele é um homo sapiens que perdeu completamente a dimensão religiosa (veja bem: Se...). Bem, seria um interessante exemplo do que a Bïblia diz: "à lama pré-humana tornarás...".

Entre os bons resultados do encontro está a autorização para traduzir os "Faraday Papers" para o português. Os papers tratam de uma ampla gama de assuntos relacionados ao debate de religião e ciência, de forma introdutória; apresentam algumas idéias teologicamente heterodoxas mas, a despeito disso, são importantes por resumir vários aspectos do debate atual. Assim, embora com algumas ressalvas teológicas que, provavelmente, vamos indicar em nosso Blog de Religião e Ciência, pensamos que vale a pena disponibilizar para o público brasileiro.

Em Cambridge tive também a grata oportunidade de visitar a Tyndale House, terceira maior biblioteca de pesquisa bíblica do mundo (atrás apenas da biblioteca da universidade hebraica e da biblioteca do vaticano), mantida pela UCCF (uma ABU inglesa). Vários nomes importantíssimos passaram por Tyndale, que mantém um boletim de científico e acomodações para pesquisadores de diversas partes do mundo. Recentemente o diretor foi o Dr. Bruce Winter, cuja obra em história social do Novo Testamento, em diálogo com a arqueologia contemporânea, tem revolucionado a interpretação do Novo Testamento - sua obra "After Paul Left Corinth" (Eerdmans) é ainda a minha obra de referência para contexto histórico de 1Coríntios.

Na primeira visita encontrei o Rodrigo Franklin, que acabou de concluir o Ph.D. em Literatura Bíblica e Estudos Orientais em Cambridge, estudando a LXX, e que está indo para Goiânia trabalhar com Luciano Pires, do Colloquium. Ambos fizeram mestrado no Covenant (US), onde está o Francis Schaeffer Institute, e vão trabalhar juntos com ensino teológico e apologética. O Franklin já apresentou trabalhos em universidades Alemãs e está indo no fim do ano para Sorbonne, para palestrar sobre a versão septuaginta (LXX) do Antigo Testamento.

Alguns dias depois, em uma segunda visita, o Rodrigo me apresentou o Dr. Jonathan Chaplin, ex-professor do ICS no Canadá, e atual diretor do Kirby Laing Institute for Social Ethics. Dr. Chaplin é cientista político, com pos-doc pela London School of Economics, e aplica a filosofia de Dooyeweerd em seu campo de estudos. Há um grande número de especialistas em ciência política, história política e economia política que vêm aplicando os insights de Dooyeweerd para essas áreas.

Bem, vou ficar por aqui. Há muito o que dizer sobre as palestras e os diferentes especialistas, mas agora o almoço tá na mesa...