Se você discutir com um louco, é extremamente provável que leve a pior; pois sob muitos aspectos a mente dele se move muito mais rápido por não se atrapalhar com coisas que costumam acompanhar o bom juízo. Ele não é embaraçado pelo senso de humor ou pela caridade, ou pelas tolas certezas da experiência. Ele é muito mais lógico por perder certos afetos da sanidade. De fato, a explicação comum para a insanidade nesse respeito é enganadora. O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão. A explicação oferecida por um louco é sempre exaustiva e muitas vezes, num sentido puramente racional, é satisfatória. Ou, para falar com mais rigor, a explicação insana, se não for conclusiva, é pelo menos incontestável. [...] Se um homem disser, por exemplo, que os homens estão conspirando contra ele, você não pode discutir esse ponto, a não ser dizendo que todos os homens negam que são conspiradores; o que é exatamente o que os conspiradores fariam. Apesar de tudo, ele está errado [...] Talvez a maneira de nos aproximarmos ao máximo dessa descrição é dizer o seguinte: que a mente dele se move num círculo perfeito, porém reduzido (G. K. Chesterton, Ortodoxia).
Ao longo de minha ainda curta trajetória como teólogo e pastor, encontrei um sem-número de vezes aquele tipo, descrito por Chesterton, que defende com vontade e com uma consistência exasperante a racionalidade de uma visão simplista do real.
Simplista, seja ele quem for: do ateu ao fundamentalista evangélico, aquele tipo estereotipado, apologético, que segue com lógica inflexível e fatal uma idéia que, obviamente, se não é falsa, é unilateral. Não que seja sempre inconveniente a lógica inflexível; mas é que ela é como a beleza: pode-se ser belo e mau. Ou feio e bom.
Sabedoria é reconhecer quando um argumento é lógico mas falso, e quando é construtivamente feio mas verdadeiro. Feio na forma, na formulação, na fôrma discursiva. Torto, desengonçado, balbuciado - mas verdadeiro, e daí?
Sim, para ser justo, preciso reconhecer que a verdade também é feia, às vezes. Mais vale um pouco de realidade feia do que muita falsidade bonita. E para ser justo, preciso reconhecer que às vezes a consistência lógica conduz a uma conclusão feia (e não bela) que é verdadeira. Mas, no caso, a beleza da consistência lógica está em mostrar a feiúra da realidade. Palmas para ela. Sua beleza serviu à verdade.
Quem me dera fosse sempre assim. No mais das vezes, vejo pessoas embelezando argumentos para defender bobagens como o ateísmo, o comunismo, o individualismo ou a irrelevância da ciência para a fé (onde fundamentalistas e Dawkinianos se beijam). Ora, ora, vaias para essa consistência lógica. Sua beleza serviu à mentira. Mesmo que seja bonitinha, consistente, proporcionada, não passa de mulher da vida...
Este é o "círculo" denunciado na epistemologia de Chesterton: infinito, mas ainda assim minúsculo. Minúsculamente infinito, fechado para si mesmo, incurvatus in se (Lutero).
Como o materialista que nega a realidade da personalidade humana, com a qual acorda e vai dormir todos os dias, porque não é consistente com seu "sistema". Ou o marxista que dorme e acorda todos os dias com a realidade de que o homem é irredutível aos "meios de produção" mas quer negá-la, porque não concorda com o "sistema". Ou como o criacionista científico, que acorda e vai dormir todos os dias com a massa de evidências da longa idade da terra, mas prefere apostar num relativismo epistemológico a dar crédito à ciência (exceto, naturalmente, quando ela confirma algo escrito na Bíblia. Daí, de repente, as regras mudam), porque não concorda com o "sistema" (teológico). E assim por diante: deixando o bom senso em nome da consistência.
Se precisar escolher entre consistência e bom senso, fique com o bom senso. Não perca tudo para ficar só com a razão.
7 comentários:
Quem disse que não conspiram contra o louco? Só por ele ser considerado louco o que ele diz não é digno de crédito?
E o que é o "bom senso"?
Olá Guilherme,
Obrigado por seus "insights", como sempre me tocam em muitos aspectos. Sua angústia é comum com aqueles que estão um tanto fartos do reducionismo espiritualizante do evangelicalismo sul-americano. Me perturba, respostas reducionistas, pressupostos pendurados em epistemologias idólatras. O bom senso, poderia ser pensado a partir de máximas como do grande filósofo judeu Maimônides, que apesar de algumas limitações por seu apego ao aristotelismo, afirmava: "O melhor caminho é o do meio, e se te veres em um extremo, vá para o outro extremo, e retornarás naturalmente ao caminho do meio". Isso não é relativismo e tão pouco neutralidade, é bom senso ante as demandas de uma fé que dialoga com seu tempo.
Abraços,
Igor Miguel
Oi Christie!
Bem, seu comentário foi um pouquinho fora de contexto :-D É claro que um louco também pode ser perseguido e dizer algo digno de crédito. Mas, no caso, a "loucura" consiste exatamente na certeza da perseguição, mesmo que ela não exista; aquela certeza impossível de remover, mesmo sendo completamente irreal.
A propósito, sugiro que vc leia Chesterton. Vc vai gostar muito, eu garanto!
Gui
Olá Glauber!
Faz tempo que não te vejo por aí...
Bem, nos termos de Chesterton, eu diria que o bom senso é o nosso contato com a realidade, que vai além da própria racionalidade, ainda que a inclua. É o nosso contato com a nossa natureza humana, criada por Deus.
É com base nesse contato que somos capazes de raciocinar, e construir argumentos válidos. Mas o mero fato de podermos elaborar argumentos para negar a realidade já mostra que a sua conexão não é imediata, direta.
Isso significa que o argumento racional não é capaz de nos levar à verdade. Ele pode apenas nos ajudar a compreendê-la, se a temos, ou a esclarecer a falsidade do que acreditamos, se estivermos abertos a reconhecê-lo.
Se a lógica garantisse alguma coisa, afinal, os filósofos seriam todos crentes (ou uma grande parte deles, ao menos)!
Guilherme
Igor,
talvez o "caminho do meio" seja muito aristotélico para mim :-D De vez em quando é preciso ir ao extremo, né?
Mas em boa parte dos casos o "meio" funciona, porque temos mesmo uma tendência ao exagero ou à omissão. A única coisa que a gente pode exagerar sem medo, é no amor. No resto, é bom ficar de olho!
Apenas para esclarecer,
eu não penso que o criacionismo científico seja inerentemente impossível; inerentemente irracional (como penso, por exemplo, que o materialismo o seja). Mas penso que o criacionista não deve construir a sua argumentação a qualquer custo, como muitos fazem, faltando com a honestidade intelectual, por meio de uma seleção ambígua e seletiva de hipóteses e crenças científicas.
Optar por um racionalismo (para combater o empirismo científico) ou por um perspectivalismo total (contra o positivismo) é que me parece inadequado. Assim como optar pela defesa de uma interpretação literalista das Escrituras, fechando os ouvidos a qualquer evidência contrária, mesmo que ela seja razoável e sugira uma outra interpretação do texto.
É claro que tem um forte aspecto pessoal. Cada um sabe se sustenta uma crença porque realmente lhe parece racional ou porque não aceita perder uma discussão... :-D
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