segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Eu Tenho Esperança!


Não sou utópico. Não tenho ilusões sobre o caráter do mundo e das pessoas, nem tento me convencer de que as coisas não estão tão ruins. Pois as coisas estão mesmo muito ruins. Não sou um otimista irracional, seja do tipo triunfalista-religioso, seja do tipo progressista-secular. Não penso que as coisas darão certo se mantivermos o pensamento positivo, ou se dermos educação ao povo, nem tenho certeza de que as coisas sempre darão certo para mim no futuro.

Mas também não sou cínico. Nem por isso sou cínico. Não posso me defender da decepção reprimindo os meus sonhos! Não quero manter na boca o gosto amargo das frustrações do passado. Não me rio da alegria inocente de quem sofreu pouco, nem desconfio da alegria serena de quem sofreu muito. Não posso permitir que o mal que me cerca cegue as minhas vistas ao bem sobre o qual estou de pé...

Então, o que sou?

Sou cristão. Não sou utópico nem cínico, porque através da nuvem de maldade, feiúra e falsidade - que está aí, não nego - eu vejo a luz da bondade, da beleza e da verdade! Porque quando aspiro a fumaça deste ar impuro eu sinto o oxigênio, e o respiro; porque no fundo da realidade inteira, na sua fonte oculta e profundíssima o que habita é a alegria absoluta, o amor original, e a imortalidade de tudo o que é digno, santo e valioso neste mundo!

Por isso creio na Igreja, como diz o Credo Apostólico. Eu creio na Santa Igreja Universal porque através desse frágil vitral trincado brilha uma luz divina. Sei que ele está rachado, mas sei mais ainda que uma luz o atravessa e vai parar colorida sobre o meu corpo. Eu tenho esperança na Igreja porque pedras quebram vidraças, mas não apagam o Sol da Justiça. Então não lançarei pedras, nem fecharei meus olhos, nem fugirei para o escuro; consertarei vidraças e farei vitrais!

Eu creio na Igreja porque a Igreja é a nação da esperança; porque ela aprendeu a ver o fundo do universo, descobriu a fonte da luz, sentiu o oxigênio em seus pulmões. A Igreja deixa a alegria entrar sem prender a respiração, como os cínicos medrosos, com seu bem-informado pessimismo cosmológico. E assim, saciando-se de alegria como de uma fonte invisível, a igreja dá esperança!

A Esperança é um dom divino. Ela não confunde, "porque o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi outorgado". A Esperança não sabe se ainda vai chorar muito ou pouco, mas sabe que um dia saltará de alegria. Porque no Espírito, ela já vive esse dia.

Eu creio na Igreja porque tenho Esperança.
E a esperança não será frustrada...
porque é a obra do Espírito Santo!

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Novos artigos sobre Dooyeweerd

Além do artigo de Fabiano Oliveira sobre Dooyeweerd, acrescentei um outro de minha autoria, escrito como a introdução editorial de uma obra de Dooyeweerd que o Rodolfo e eu acabamos de traduzir do inglês: "No Crepúsculo do Pensamento Ocidental: Ensaios sobre a Pretensa Autonomia do Pensamento Teórico".

Recomendo-o especialmente para os inscritos em nosso 2 Ciclo de Palestras L'Abri-Aket.

O livro aguarda publicação, mas a introdução está disponível aqui.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Para Saber mais sobre Dooyeweerd

Aproveito o espaço para recomendar o II Ciclo de Palestras L'Abri-Aket sobre o tema "Uma Resposta Cristã à Crise Intelectual do Ocidente"

A série de seis palestras com discussões será efetivamente uma introdução ao pensamento do filósofo evangélico Herman Dooyeweerd, com base em seu livro "In the Twilight of Western Thought" que nós traduzimos recentemente. Os inscritos terão acesso ao texto da tradução.

Para mais informações sobre o evento, confira no Blog do L'Abri:

http://labri-brasil.blogspot.com/

Para quem quiser saber mais, recomendo o excelente artigo de Fabiano Oliveira, professor da Universidade Mackenzie e nosso companheiro na aket. O artigo está disponível no site da revista Filosofia Reformata e também em meu site (clique aqui).

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Novas Palestras L'Abri em MP3

Caros leitores,

apesar do significativo atraso, parte das palestras da Conferência L'Abri 2008 (Comunidade & Espiritualidade) já está disponível online, assim como outras palestras oferecidas nos últimos retiros temáticos do L'Abri. Em breve disponibilizaremos novos mp3!

Para acessar as palestras, clique AQUI.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Pequena Homilia Anti-Libertária


O texto abaixo é um trecho de um capítulo do livro "Cosmovisão e Transformação II", com lançamento previsto para 2009



Soberania
: inicialmente, como o expôs Kuyper, um conceito simples e intuitivo. Soberania é o direito de impor a própria vontade. O direito de exercitar a liberdade, nesse sentido; mas de causar, no exercício da liberdade, uma limitação da liberdade. E desde seu direito ao poder, a liberdade de exercitá-lo para bloquear toda resistência a si. Nesse sentido, sim, Deus é a fonte de todo o poder. O Deus Trino é o Soberano absoluto, detentor do direito e das energias necessárias para fazer cumprir a sua vontade.

Como poderia ser diferente? Há quem pense hoje que tal noção de Soberania divina seria um reflexo de patriarcalismo, ou uma fonte de intolerância e violência, ou fruto de uma sensibilidade religiosa doentia, fundada no medo ou no sentimento de culpa.

Não seria possível demorarmo-nos agora no debate com uma ou outra dessas correntes. Um tratamento justo às teontologias libertárias, que tentam construir uma divindade mais frágil e dialógica, a bem de uma atualização da pregação cristã, exigirá outro artigo.

Não obstante é justo, aqui e agora, denunciar a um modo homilético o seu etos, o seu impulso fundamental. Pouco esforço é preciso para reconhecer-lhe a fonte: um respeito humano desmesurado. Que perversa doutrina pretenderia arrancar das mãos do Senhor o seu cetro, puxar as suas barbas e fazê-lo dobrar-se diante de sua criatura, senão o nosso bom e velho humanismo secular? Já conhecemos essa história; aumentar o espaço da liberdade humana à custa de reduzir o espaço da soberania divina.

Ora, que estratégia mais tola poderia ser criada? Se chegamos a empregá-la, é porque já perdemos o contato com a realidade. Um deus que possa ser posto a par com o homem, que tenha que se por de pé para ceder-lhe o assento já é um nada, um outro do seu tipo. Nem o milagre da encarnação do verbo redimiria esse maquinismo teológico.

E bem a propósito: somente uma terrível confusão poderia levar um homem a entender que, na encarnação, Deus se tornou humano. Deus nunca foi, não é e jamais será humano. Deus é divino, não é uma criatura. Não pode se transubstanciar em uma criatura. Jesus, o Logos, Deus de Deus, Luz de Luz, era Deus e criatura simultaneamente; mas a sua criaturidade não se tornou em divindade, nem a sua divindade se tornou em criaturidade. Ele era ambos, Criador e criatura, unidos em uma pessoa, sem confusão nem mistura de substâncias.

Mas o humanismo, agora em nome da piedade evangélica, deseja tornar o Leão em gato; criar um pobre deus que vamos abrigar em nossas casas, por piedade – assim o são as divindades das mais variadas formas de teologia libertária, que repetem teimosamente o erro de separar Natureza e Graça, de criar um vácuo de ação divina para dar livre arbítrio e “responsabilizar o homem” elevando a dignidade divina pelo dúbio expediente de livrar-lhe do mal a cara.

Para se achegar ao homem, Deus não deixa a sua divindade. O infinito, por condescendência, se acomoda à finitude, mas não deixa nem por um momento a sua infinitude original, pois “nem o céu, nem o céu dos céus o podem conter”: finitum non capax infiniti. O amor e a condescendência de Deus para conosco não se realizam à custa de sua Soberania e de seu Poder sobre todas as coisas. Não deixa Ele o seu Trono para encher de fumaça o seu templo. Nem assume o corpo infantil calando a Palavra que a tudo sustenta. Nem forma Ele a liberdade humana por meio de uma ausência, de uma limitação de sua Soberania, de um vácuo de presença divina; pois “nele vivemos, nos movemos e existimos”. O Altíssimo está mais perto de nós do que nós mesmos, e não criou a liberdade humana como um poder autônomo em relação a Ele. Antes, é a Soberania divina o fundamento supremo da liberdade humana.

Mas, como Schaeffer tantas vezes nos advertiu, a natureza, deixada autônoma, “devorará a graça”. É o mais fatal dos erros tentar garantir a liberdade humana reduzindo o espaço de Deus e de sua Soberania, postulando um universo opaco, vazio da divindade, “secular” e entregue ao arbítrio humano. No fundo desse poço de respeito à dignidade e à responsabilidade humana há uma serpente matreira.

Há quem pense seria bom para o movimento de Missão Integral no Brasil adotar uma ou outra versão libertária da divindade, como se expandindo o campo da iniciativa humana, os cristãos viessem a se tornar menos passivos, sentindo-se mais necessários a seu pobre Senhor e aos pobres pecadores. Ledo engano. Se nos tornarmos mais missionais, mais ativos e mais responsáveis apenas porque temos um senso elevado de nossa autonomia humana, de nossos poderes de intervenção, de nossa capacidade de romper as determinações históricas, eu pergunto: de quem será a glória?

Essa expectativa já denuncia a ruína espiritual em que estamos metidos. Deus já não nos move. Desprezamos o Deus da Bíblia – aquele Deus poderoso, terrível, Soberano, Juiz, Salvador – nossa sensibilidade, nosso senso de adoração, nossa reverência e nossa abertura para a transparência do mundo se perdeu. Vivemos num universo opaco, relativístico, sem profundidade espiritual e sem Lei. O que nos resta? Exaltar a autonomia humana para fazer a Missão Integral andar no Brasil. Que fracasso miserável. Melhor nos seria amarrar no pescoço uma pedra de moinho. Ou pior: retroceder de vez para a semi-extinta teologia da libertação.

Não, sejamos progressistas! Vamos progredir de volta. De volta à visão clássica de Deus, sem a qual as nossas idéias sobre a natureza da Soberania não passarão de versões carolas do humanismo secular. Não há futuro no motim libertário. Pois a liberdade não é ganha pela ausência, mas pela presença de Deus.

sábado, 4 de outubro de 2008

Teologia da Prosperidade dá Prejuízo

O Igor Miguel me mostrou um comentário jóia na Time sobre a crise americana. O comentarista discorre sobre o impacto da teologia da prosperidade no envolvimento de milhares de americanos com a crise. Muito interessante. Veja aqui:

Foreclosures: Did God Want You to Get That Mortgage?

Doutrina ruim não faz mal só pra o coração não - faz mal pro bolso também... ;-P

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Conversa com a minha filha de cinco anos

Saindo do banho e se enxugando:

- Papai, eu queria ser bebê...

- Uai! Por quê, criança?

- Porque bebê é fofinho, e eu queria que as pessoas dissessem que eu sou fofinha também..

- Ora, mas você é fofinha demais! (belisquinhos)

- Não sou mais não. Gente grande igual eu não é fofinha igual neném, eu queria ser bebê de novo!

- Mas você não é grande nada, olha o seu tamaninho!

- Não, eu sou pequenininha grande!

Nada como um bom paradoxo para abrir a noite!

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Vale a pena conferir!

Caros, estou levando a família Fellows (Andrew, Helen e Hope - do L'Abri) de férias!

Mas ficam aqui as recomendações - coisa boa pra ler: Igor Miguel comentou um texto muito legal de Martin Buber, bem em cima de nossas preocupações recentes com o que chamo de "liturgia da vida", na falta de outro termo. A Norma Braga abriu um concurso de paródias de Mário Quintana, e o Steve Bishop escreveu algo bem interessante sobre o modelo da complementaridade em religião e ciência.

Quando voltar, vou ver se posto uma foto de "ingleses ao mar".

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Essa é tradição oral (não está escrita):

"Viver em comunidade é o mais subversivo ato político que alguém jamais poderia realizar"

Andrew Fellows - L'Abri Inglaterra

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O Atomismo Social segundo Charles Taylor, e a Espiritualidade Cristã


Do Contra


Não é de hoje que procuro meios eficientes e interessantes de criticar a experiência moderna de autonomia humana. Não que eu rejeite completamente a noção de autonomia ou, falando de forma bem mais abrangente, a idéia de liberdade humana; mas já chega de modernidade, né? Essa coisa não deu certo mesmo (e nem era para dar certo). Seu ideal antropológico - do homem absolutamente autônomo, feliz da vida criando mundos demiurgicamente, "livre" dos constrangimentos da autoridade, da tradição, e da religião não passa de um mito naturalizado, que já está comendo o próprio rabo.

E nem me venham falar de pós-modernidade. Ao menos, não da sua versão consumista, massificada, ideológica, com um discurso sobre pessoas "diferentes", e sobre "pluralidade", na qual a diferença é afirmada através de sua redução à insignificância (não importa se temos valores diferentes, pois nossos valores são igualmente infundados); e na qual cada indivíduo se desliga de tradições e constrangimentos externos para reforçar a sua "individualidade" contra a homogeneização institucional - mas com isso alcança apenas um status de "consumidor exigente".

O problema da pós-modernidade real (ao contrário daquela idealizada por alguns teóricos) é que ela é moderna demais.

Pois bem, como eu ia dizendo, me sinto muito feliz (sim, isso não parece nem um pouco objetivo) quando encontro insights interessantes sobre a inviabilidade do que chamo de "ideal libertário" (o que Dooyeweerd chamaria de "ideal de personalidade livre") - as propostas, presentes na economia, na política, e ainda extremamente fortes no campo do pensamento acadêmico, que pressupõe e/ou promovem os direitos e poderes do indivíduo às expensas da sociedade. Aqui, por exemplo, eu incluiria o "dogma da autonomia religiosa da razão" (a idéia de que exista um pensamento teórico livre de influência religiosa), o pensamento político e econômico liberal, especialmente em sua forma anárquica, e a política socialista do PT (fortalecer indivíduos contra vínculos comunitários como a família, a religião, as escolas, etc, para controlá-los de modo mais eficiente através do Estado - um uso estatista do liberalismo).

E incluiria também parte da atitude evangélica em relação à igreja e à sociedade.

Charles Taylor on Atomism

Charles Taylor é um dos mais geniais representantes do movimento normalmente denominado "Comunitarismo", que recoloca de forma criativa o tema da comunidade na discussão sobre política, direitos humanos e ordem social, sem cair na velha armadilha de simplesmente favorecer o Estado contra o indivíduo (e isto é uma distinção conceitual importante entre "socialismo" e "comunitarismo"). Em termos bem gerais, os comunitaristas se opõe a toda interpretação de justiça política, direitos humanos e ordem social que afirme a prioridade dos indivíduos contra as suas relações com outros seres humanos e com a sociedade. Outros nomes famosos do comunitarismo são Alasdair MacIntyre, Michael Sandel e Michael Walzer.

Sim, nem tudo o que Taylor diz me deixa feliz. Me incomoda, em especial, o seu Hegelianismo, do que eu sou um oponente incondicional. Mesmo assim suas percepções sobre a natureza do indivíduo fazem sentido.

Um artigo importante de Taylor a respeito, que vou comentar aqui, é Atomism (Atomismo) - um termo realmente perfeito para sintetizar a discussão. O artigo foi publicado inicialmente em Philosophy and the Human Sciences (1985) e depois na coletânea Communitarianism and Individualism, de Avineri e de-Shalit (Oxford Readings in Politics and Government, 1992, 237 pp.), aonde o li.

Taylor descreve "atomismo" como uma característica das teorias de contrato social e outras cuja pressuposição básica é a visão da sociedade como "em algum sentido constituída por indivíduos para o cumprimento de fins primariamente individuais" (p. 29). A primazia dos direitos individuais se encontra no próprio centro dessa tradição (p. 30), segundo a qual nenhum indivíduo tem a obrigação de pertencer, mas apenas direitos; o "contrato" é estabelecido para viabilizar a realização dos direitos, de modo que assim obrigações são adquiridas. Autonomia individual é, portanto, a priori, e obrigações comunitárias seriam a posteriori.

Para conferir plausibilidade a essa interpretação dos direitos, o atomismo precisa afirmar algum tipo de auto-suficiência do indivíduo (p. 32) - chegamos, portanto, a uma determinada visão do Self, e a uma antropologia.

De acordo com Taylor, atribuímos direitos aos homens porque eles exibem certas capacidades dignas de respeito (33), sendo na verdade impossível racionalmente atribuir esses direitos desconsiderando completamente essas capacidades. Ele toma como exemplo particular a capacidade da liberdade, e levanta a questão:

Se não podemos atribuir direitos naturais sem afirmar a dignidade de certas capacidades humanas, e se esta afirmação tem outras consequências normativas (ou seja, que deveríamos estimular e nutrir essas capacidades em nós mesmos e em outros), então qualquer prova de que essas capacidades só podem se desenvolver em sociedade ou em uma sociedade de um certo tipo é uma prova de que devemos pertencer ou sustentar a sociedade ou este tipo de sociedade. Mas então [...] a afirmação da prioridade dos direitos será impossível; pois afirmar os direitos em questão é afirmar as capacidades e, uma vez que a tese social seja verdadeira no que tange a essas capacidades, implicará para nós uma obrigação de pertencer (35-36)

Nesse caso, portanto, as obrigações para com a sociedade não seriam o resultado adicional de um contrato, mas obrigações inerentes à existência humana completa.

Taylor prossegue para mostrar que essa capacidade (a liberdade) é completamente dependente de uma sociedade complexa para emergir e se manter. A interpretação libertária (não se pode julgar moralmente a liberdade individual) da liberdade só pode ser contraditória, portanto, na medida em que torna possível a contradição ou destruição da sociedade que habilita o homem a ter a capacidade da liberdade. A mera afirmação de um direito envolve, em si mesma, o reconhecimento de uma obrigação de pertencer.

Agora, um ponto muito importante: a tradição Hobbesiana de descrever o estado de natureza como um impulso para a realização de desejos (um nivelamento das capacidades humanas ao nível de outros seres sencientes, biológicos) acaba por gerar uma interpretação dos direitos individuais como o direito de satisfazer desejos, e também a ilusão de que até as capacidades que dependem da vida social complexa (ao contrário das capacidades biológicas) são inatas e geram direitos. Isso nos ajuda a entender muito do que é feito hoje em termos de direitos humanos. No campo da legislação sobre sexualidade, por exemplo. Se você tem um desejo, então tem um direito.

Depois de uma discussão mais detalhada sobre a dependência da liberdade em relação à sociedade, Taylor responde à questão:

Em outras palavras, o indivíduo livre ou o agente moral autônomo pode apenas adquirir e manter a sua identidade em um certo tipo de cultura, com algumas facetas e atividades a que me referi brevemente. Mas essas e outras da mesma importância não vem à existência espontaneamente a cada instante sucessivo. Elas são mantidas por instituições e associações que requerem estabilidade e continuidade e, frequentemente, também, apoio da sociedade como um todo [...] O meu argumento é de que o indivíduo livre do Ocidente apenas é o que é em virtude de toda a sociedade e da civilização que o trouxe à existência e que o nutre [...] (44-45) O ponto crucial aqui é este: desde que o indivíduo livre pode apenas manter a sua identidade no interior de uma sociedade/cultura de um certo tipo, ele precisa se preocupar com a forma dessa sociedade/cultura como um todo (47)

Taylor não poderia ser mais claro. É simples. O atomismo é impossível. Não há um self auto-suficiente, nem há direitos que se apliquem atomisticamente. O eu individual forte depende de uma comunidade forte, e os direitos individuais emergem inelutavelmente conectados a obrigações comunitárias, a deveres de pertencimento e responsabilidade moral, a valores.

Consequentemente, diríamos, não se pode criar direitos, juridicamente, com base em ideais utópicos de liberdade humana, sem considerar cuidadosamente a relação dos indivíduos com as comunidades, sem atentar para os laços pessoais e morais que sustentam os indivíduos e os direitos.

No fundo, bem na base de tudo, entra a questão da identidade do indivíduo, que Taylor coloca muito bem:

A tese esboçada acima sobre as condições sociais da liberdade é baseada na noção, em primeiro lugar, de que a liberdade desenvolvida rquer uma certa compreensão do self, na qual as aspirações à autonomia se tornam concebíveis; e, em segundo lugar, que essa auto-compreensão não é alguma coisa que possamos sustentar por nós mesmos, mas que nossa identidade é sempre parcialmente definida na conversação com outros ou través da compreensão comum que subjaz às práticas da nossa sociedade. A tese é de que a identidade do indivíduo autônomo, auto-determinado, requer uma matriz social que, através de uma série de práticas reconheça o direito à decisão autônoma e que clame pela voz individual na deliberação sobre a ação pública. O debate entre atomistas e seus oponentes vai bem fundo, portanto; ele toca a natureza da liberdade e, além disso, o que significa ser um sujeito humano; o que é a identidade humana, e como ela é definida e sustentada [...] (p. 49)

A identidade humana, enfim!

Atomismo e Presença Cristã

Não é muito difícil extrair implicações do argumento de Taylor, que é bastante convincente. O teólogo Helmut Thielicke, em sua antropologia teológica, já havia apontado o problema moderno, em especial no campo da racionalidade: a visão kantiana de autonomia (e moderna, enfim) é problemática, na medida em que ignora as fontes do autós. O autós é tão dependente de uma teia de relações, que somos obrigados a qualificar a "autonomia".

Em outras palavras, não há autonomia sem heteronomia, porque não há autos sem heteros. Nos termos de Taylor, não há self sem comunidade. O que implica, diretamente, a necessidade de reconciliar liberdade e lei/norma, bem como individualidade e comunidade. Ou melhor, de compreender a sua relação.

De cara, a crítica ao atomismo implicará mais uma linha de ataque contra o dogma da autonomia da razão - a idéia de que o pensamento teórico seja neutro em relação à tradição e ainda em relação à fé, como dimensão da experiência humana. Implicará, além do mais, em uma severa qualificação do que eu consideraria uma das marcas mais importantes da pedagogia contemporânea: a ênfase na "autonomia do aluno", e a caricaturização de todo tipo de pedagogia baseada em tradição ou valores normativos (não confundir com tradicionalismo metodológico) como "doutrinação". Não é que ensinar valores tenha um "lado bom"; é que a pedagogia focada na autonomia individual está simplesmente correndo atrás do vento.

Na política, implicará em que a legislação não pode abstrair a questão dos direitos individuais da matriz social mais ampla, nem da saúde das comunidades. Não se trata de mero conservadorismo, como se não se pudesse reformar a legislação de direitos; o ponto é que não se pode gerar direitos sem compreender os valores e obrigações que os acompanham, e como eles são "encaixados" com a forma presente da sociedade. As ações do governo petista no campo da homossexualidade no brasil, por exemplo, são exemplos perfeitos de insensibilidade para com a saúde comunitária.

Outro exemplo é o completo desinteresse pela preservação de uma estrutura familiar saudável, adotando pelo contrário a estratégia de meramente absorver e naturalizar as disfunções familiares em nome dos direitos de indivíduos em contextos disfuncionais, o que constitui prova evidente do problema que apontamos.

Atomismo e Igreja Evangélica

Finalmente, algo tinha que sobrar pra nós. Num post anterior observei que a igreja evangélica tende a ser muito moderna. Demais. A igreja é vista como associação de indivíduos; um grupo se junta e decide: "haja a igreja"! E nem queremos saber de tradição, de associação com outras igrejas, de nada. A igreja evangélica se tornou extremamente vulnerável à cultura de mercado, exatamente por isso. Ela procede da mesma lógica individualista que corta o vínculo do self com a comunidade, tornando-o um ponto descontexualizado, um buraco-negro de desejos.

Daí eu fico me perguntando: o que pode ser feito para superar o atomismo entre nós? Isso não é apenas um problema de espiritualidade individual. Tem muito evangélico hoje - e muita gente boa - procurando renovação na espiritualidade, só que em uma base ainda moderna, de busca espiritual individual ou, no máximo, com alguns amigos.

Não dá pra contornar a eclesiologia, então. Taylor está basicamente certo: não existe self sem comunidade. O Self não tem realidade sem comunidade. Realidade é comunidade, eu diria. Deus é comunidade. A lei de Deus se resume no amor a Deus e no amor ao próximo; somente na relação religiosa com Deus e com o próximo podemos dar um conteúdo a nós mesmos. Pensar espiritualidade individual, liberdade individual, pensamento individual, etc, in abstractu, sem mergulhar em uma ecclesia, é besteira.

Seguindo o raciocínio de Taylor, eu diria que a liberdade de crer, que a própria possibilidade de ter fé salvadora, implica em si mesma uma obrigação para com a comunidade que transmite e sustenta essa fé. Extra Ecclesiam Nulla Sallus. Católico demais? Talvez. Mas já não sei o que é pior: ser católico ou ser moderno.

No final do artigo Taylor destacou que o problema todo, no fundo, é o problema da identidade humana. O que é o homem, e o que significa "liberdade humana"? O que Taylor nos deixa ver é que não há resposta apenas formal para essas coisas. Cada civilização/sociedade/comunidade dará uma resposta. A questão é que já nascemos dentro de uma tradição, e precisamos nos ver com ela para dar essas respostas. Mas há uma resposta que não vale de jeito nenhum: o atomismo.

É interessante (e surpreendente) que Taylor encontre Calvino aqui, fazendo a mesma discussão; para Calvino a identidade humana é encontrada no relacionamento com Deus; só há autoconhecimento no conhecimento de Deus. Eu diria que o Self se constitui respondendo de um jeito ou de outro a Deus e a outros seres criados à imagem de Deus. E igreja é isso: Deus conosco, fazendo a paz.

Talvez, a título de sugestão: igrejas realmente pós-modernas, ou para-modernas, ou anti-modernas, seriam igrejas que redescobrem a tradição (ao invés de querer inventar a roda), que desistem da democracia como sistema básico (sinto muito pelos batistas - sou um deles), trabalham com pequenos grupos (sim, eles estão certos nisso), mas não caem no caudilhismo nem abusam de seus membros. Vamos ver se essa igreja emerge por aí.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Entrevista com o Dr. Augustus Nicodemus Lopes

Caros leitores,

O Allen Porto tem um Blog muito interessante sobre teologia, cosmovisão cristã e atualidades:

A Bíblia, O Jornal e a Caneta: observando o mundo com as lentes das Escrituras

Vale a pena conferir a entrevista curtinha com o Dr. Augustus Nicodemus sobre neocalvinismo e política:

Bate Papo com o Pr. Augustus Nicodemus Lopes

terça-feira, 15 de julho de 2008

Recesso!


Caros leitores,

este blog permanecerá em recesso de 15 de Julho a 04 de Agosto, em razão do Termo de Inverno de L'Abri.

Para saber mais sobre o Termo de Inverno e L'Abri Brasil, siga para o Blog do L'Abri:

http://labri-brasil.blogspot.com

quarta-feira, 9 de julho de 2008

André Petry e Tony Belloto sobre a Fé dos Homofóbicos: VEJA e COMPREENDA

Na quarta feira 25/06, evangélicos promoveram uma manifestação contra o projeto de lei contra a homofobia. Alguns tentaram "invadir" o senado para apresentar suas reivindicações pessoalmente.

Duas reações me chamaram a atenção - a coluna de André Petry, na Veja, e a sua versão inferior, no dia 02/07, por Tony Belloto. O primeiro compara a resistência evangélica ao projeto de lei com a resistência às leis contra o racismo, e afirma que tal atitude seria "tão reacionária" quanto uma Ku-Klux-Klan defender um "direito" ao preconceito. E argumenta que haveria um erro de interpretação dos evangélicos, quando estes entendem que a lei seria uma limitação à sua liberdade. Diz Petry:

Alegam que a liberdade religiosa fica limitada porque combater o pecado vira crime. É um duplo equívoco. O primeiro é achar que uma doutrina de crença em forças sobrenaturais autoriza o fiel a discriminar o herege. O segundo é atribuir à lei valor moral. O direito penal não é instrumento para infundir virtudes. É um meio para garantir o convívio minimamente pacífico em sociedade. Matar é crime não porque seja imoral, mas porque a sociedade entendeu que a vida deve ser preservada. Dúvidas? Recorram ao Supremo Tribunal Federal. Na democracia, é assim. Lei não é bíblia de moralidade.

Daí Tony Belloto se entusiasmou e não apenas postou uma foto da Ku-Klux-Klan, mas afirmou que "A Ku-Klux-Klan faria boa companhia aos cristãos homofóbicos de Brasília." Descreveu a oposição evangélica como "Jihad Particular". E indicou o filme "Missisipi em Chamas", para temperar mais a discussão.

O texto do Petry tem um pouco mais de conteúdo que o do Belloto, que se contenta em lançar uma bomba de efeito moral. De modo que vou comentá-lo primeiro.

André Petry

Em sua opinião, a posição evangélica seria uma "discriminação do herege", e seu fundamento último seria a "crença em forças sobrenaturais". Bem, não é preciso dizer que isso constitui uma bobagem sem tamanho. O fundamento da oposição cristã ao homossexualismo é uma determinada antropologia, não a crença em forças sobrenaturais. Mesmo quando estas são trazidas à frente, como justificativa, no fundo o ponto em questão é a natureza humana e o lugar da sexualidade na vida humana.

Mas é claro que há outras razões para os evangélicos atribuirem a Lei à "obra do demônio". Outras muitas razões, todas bem terrenas, sociológicas e até políticas. A resistência tem a ver com a perceção de transformações profundas e estruturais nas relações humanas, no ocidente e no próprio Brasil. Entender o que está acontecendo é ler esses temores e motivações mais profundas, sociológicas, religiosas e culturais, abaixo do discurso feito ao microfone.

Petry errou pra mais de metro, portanto, em sua interpretação do que está acontecendo. Faltou hermenêutica; faltou antropologia. Estaria tudo bem, não fosse o nosso mau antropólogo um colunista da Veja.

Ao mesmo tempo, Petry mostrou um evidente preconceito contra a religião em sua fala. O que ele quer dizer? Que descrença em realidades sobrenaturais, e uma visão naturalista de mundo, dão a ele o direito de discriminar "hereges anti-modernos", como os evangélicos? Que por terem tais crenças esquisitas eles estão excluídos de discussões e manifestações na arena pública?

A definição de religião de Petry, ao menos aquela implícita em suas observações, é um pouco pobre, para dizer o mínimo.

Preciso comentar ainda as idéias de Petry sobre moralidade e direito. Veja só o que ele diz:

O segundo [erro] é atribuir à lei valor moral. O direito penal não é instrumento para infundir virtudes. É um meio para garantir o convívio minimamente pacífico em sociedade. Matar é crime não porque seja imoral, mas porque a sociedade entendeu que a vida deve ser preservada. Dúvidas? Recorram ao Supremo Tribunal Federal. Na democracia, é assim. Lei não é bíblia de moralidade.

Ora, ora... ;-D

Em primeiro lugar, este é o caminho da ruína cultural. É uma meia-verdade que a lei não é instrumento para infundir virtudes. Matar é crime porque a sociedade entendeu que devemos preservar a vida. Mas eu pergunto: porque a sociedade entendeu isso? Não é porque ela entendeu que matar é moralmente incorreto? Afinal, em muitas sociedades se mata. Deveríamos recomendar outra coisa, se aquela sociedade não entendeu que a vida deve ser preservada? E se a sociedade entender que os evangélicos deveriam ser enjaulados? Pior: e se ela entender que os homossexuais deveriam ser mortos?

Petry nos presenteia com uma completa ficção, quando diz que foi a lei que proibiu o assassinato. Isso jamais aconteceu. De onde será que ele tirou isso? De algum manual empoeirado de positivismo jurídico?

Muito pelo contrário, a sensibilidade moral das pessoas é que as obriga a fazer a maior parte das leis. A lei não infunde moralidade; é infundida por ela.

Consideremos, por exemplo, a lei da homofobia. Tanto o legislador, como a mídia, os movimentos homossexualistas, e o próprio senhor Petry apelam para a nossa sensibilidade moral ao justificar o projeto de lei. Veja o que o Sr. Petry diz:

"Outra coisa é humilhar os gays, apontá-los como filhos do demônio, doentes ou tarados."

"O que essa proposta pretende dar aos gays, e sabe-se lá se terá alguma eficácia, é aquilo a que todo ser humano tem direito: respeito à sua integridade física e moral."

"Os seres humanos diferem das coisas porque, além de tudo, têm dignidade."

Ora, não disse o Sr. Petry que a lei não é bíblia de moralidade? Porque então ele deseja nos entulhar com esses elevados ideais de moralidade - não humilhar, respeitar, reconhecer a sua dignidade - para defender a lei da homofobia? Pode-se desenvolver uma legislação não-moral para defendê-los, mas o seu fundamento não será mais jurídico. Será moral.

Puxa, ver uma contradição tão gritante, sobre um tema tão sério, num texto tão curto, de uma revista tão influente, dá vontade de chorar. Uma coisa horrorosa mesmo.

A propósito, se a sociedade não quiser aprovar a lei da homofobia (não nos esqueçamos de que boa parte dos brasileiros aceita a moral cristã), a resistência ao comportamento homossexual não será crime. Mas dentro do raciocínio do Sr. Petry, ela ainda será imoral, injusta, inumana, etc. Ora, deveríamos por isso condená-la? Deveria a lei brasileira seguir a bíblia do Sr. Petry?

Talvez o Sr. Petry não o saiba, mas não é possível dar conteúdo a um sistema de leis, sem apresentar pressuposições antropológicas e, enfim, morais. E sabe de uma coisa? Eu concordo com ele: precisamos defender a dignidade dos homossexuais. Por razões morais. Meu senso moral me diz que precisamos respeitar a dignidade dos homossexuais. Isso me estimula até mesmo a pensar que algumas leis a respeito fariam um grande bem.

Mas o problema com a lei da homofobia é que ela protege alguns princípios morais à custa do estupro de outros. Nós, evangélicos, estamos justificados em rejeitá-la incondicionalmente. Ela está carregada de valores morais que não aceitamos, e pessoas desinformadas a respeito como o Sr. Petry querem nos fazer acreditar que nós é que queremos impôr uma moralidade aos outros.

Essas pessoas querem usar a moral para justificar a aprovação de uma lei, mas ao mesmo tempo querem separar lei de moralidade, para silenciar toda a oposição moral a essa lei. Meu Deus. É uma contradição tão grosseira que, nas palavras de Petry, "é difícil crer que seja de boa-fé".

Tudo isso é uma grande hipocrisia. A lei não é bíblia de moralidade, mas as pessoas que fazem a lei sempre trazem as suas próprias bíblias. Pessoalmente, eu dispenso a bíblia moderna do Sr. Petry.

Tony Belloto

E quanto aos comentários de Tony Belloto? Como poderiam ser mais preconceituosos em relação aos evangélicos? Que absurda comparação foi aquela, com a Ku-Klux-Klan, estimulando entre os leitores o medo e o ódio aos evangélicos por associação? Sugerindo que a atitude dos evangélicos contra o comportamento homossexual seria comparável à atitude dos racistas que queriam "fazer piadas" "queimar as casas", "açoitar as costas" e "tirar as vidas" dos negros?

A comparação é descabida. A KKK jamais fez qualquer coisa que prestasse. No seu currículo consta apenas a violência. Já os evangélicos brasileiros não tem qualquer histórico de violência ou perseguição ativa de minorias. Nem mesmo dos homossexuais.

O que o Sr. Belloto faz além de ganhar dinheiro do alto de sua coluna na VEJA? Será que ele tem idéia do que fazem todas as semanas milhares de pastores e missionários evangélicos, sem falar dos religiosos católicos, cuidando de pessoas sofridas, pobres, viciadas e escravizadas pelo crime nas favelas deste país? Sua crítica não reflete um patente preconceito?

Um típico moderno ingrato, que celebra as suas liberdades individuais e os avanços da modernidade, sem tomar conhecimento da importância do cristianismo para que tal mundo viesse à existência.

Provavelmente o Sr. Belloto ignora que a abolição da escravatura só começou no mundo pelo trabalho de um evangélico, o inglês William Wilberforce (também tenho um filme na manga: "Jornada para a Liberdade" - Amazing Grace, em inglês). E que vários dos grandes defensores da abolição na América eram evangélicos. E que os protestantes no Brasil eram abolicionistas. E que muitos evangélicos lutaram pelos direitos civis na América.

Será que ele sabe que o movimento pentecostal, que domina o movimento evangélico brasileiro, começou entre negros americanos e foi instrumento de emancipação para eles e para muitas mulheres? Será que ele sabe que a maior parte dos negros brasileiros é pentecostal? E que as Assembléias de Deus tem o maior contingente de ministros religiosos negros do Brasil?

Ele não sabe. Se soubesse não faria essa torpe, indecente e ridícula comparação dos evangélicos de Brasília com a Ku-Klux-Klan. Ele teria vergonha (espero).

Raça não é comportamento. Não é um valor com carga moral. Não se pode colocar o comportamento homossexual no mesmo balaio, junto com a discriminação por sexo ou por raça, ou por nacionalidade. As coisas são simplesmente diferentes.

Mas com certeza, a KKK faria boa companhia àqueles cristãos homofóbicos de brasília (os realmente homofóbicos). Assim como o sr. Tony Belloto.

Só a Heterossexualidade é Excêntrica

Os cristãos tipicamente crêem em seres sobrenaturais, mas não é por isso que o cristianismo rejeita o homossexualismo, como sugere o sr. Petry do alto de sua paupérrima teologia moral.

Para o cristianismo, basicamente, a relação homoerótica é falsa, inautêntica, porque não envolve uma entrega a um semelhante "de outro tipo". A relação "hetero" é uma ponte entre dois mundos estranhos, e por isso mesmo é corajosa e ex-cêntrica, para fora do ego em direção ao outro. A relação "homo" busca "o meu tipo" dentro de outro, ao invés de buscar o irredutivelmente diferente. Ainda que a pessoa seja outra, no nível sexual a alteridade é eliminada. Por isso mesmo, para o cristianismo, não pode existir uma família cujo centro seja uma relação homossexual. Essa relação é deficitária na posição cristã, não por causa de algum dogma irracional, mas porque é errado fechar um círculo relacional (em qualquer nível, inclusive no nível do sexo) no qual a diferença seja eliminada exatamente no ponto em que deveria ser corajosa e entusiasticamente vivenciada.

O movimento homossexual fala muito em "diferença" e em "igualdade de direitos", mas o que ele quer é o direito de evitar a verdadeira diferença sexual sem ser reprovado por isso. Isso é inautêntico. Ninguém deveria ter o direito de esconder este fato atrás de uma legislação. As pessoas que escolherem este caminho precisam ser respeitadas, mas o caminho em si não pode ter uma proteção legal especial. Isso, sim, é uma interferência ilegítima da lei no campo moral.

A aventura sexual não deveria ser um exercício narcisista. Como os defensores das bases evolucionárias e genéticas do homossexualismo vem demonstrando, o comportamento homossexual é compartilhado por todos os animais (inclusive o animal humano), mas isso não significa de modo algum que ele seja humanístico no sentido pleno. Isso só pode ser decidido no nível pessoal e interpessoal, no nível ético da vida humana. Por esse ângulo, no entanto, é evidente o ethos con-centrado, narcísico do comportamento homossexual.

O mero fato de muitos de seus defensores apelarem para o comportamento dos animais já depõe contra eles. Só a negação de qualquer ética sexual pode justificar isso.

Todo aquele desfile colorido e esquisito, de pessoas "diferentes", "alternativas", que não se encaixam nos padrões comuns, apenas disfarça a verdade: boa parte delas falhou em lidar com a diferença, e agora quer apresentar essa falha como uma genunína diferença. É trágico que elas estejam encerradas nessa condição; mas nem por isso ela se torna correta.

O homossexualismo é excêntrico, sim, em relação ao heterossexualismo; ou seja, como fenômeno social e até contracultural. E precisamos aprender a respeitar e conviver com a homossexualidade. Mas o fato é que a relação homossexual é excêntrica para compensar sua falta de excentricidade. Só a heterossexualidade é ontologicamente excêntrica, excêntrica onde deve ser.

O que Precisamos Aprender

Para finalizar, eu diria que os evangélicos precisarão aprender duas coisas.

Em primeiro lugar, aprender a manter uma posição com dignidade. Muitos cristãos se acovardam na hora de criticar abertamente o que precisa ser criticado, com medo de serem considerados intolerantes. Mesmo diante de críticas absurdas e cheias de elementos abusivos como as comentadas acima.

A despeito disso, precisamos fazê-lo. Não podemos temer tanto a opinião dos homens. Os cristãos primitivos eram acusados pela opinião pública como "devoradores de crianças" (os pagãos não conseguiam entender a coisa de "comer a carne e beber o sangue do filho de Deus" :-D). Pessoas como Tony Belloto continuarão dizendo esse tipo de bobagem preconceituosa contra os cristãos.

Em segundo lugar, precisamos encontrar um jeito de defender os direitos dos homossexuais, se não quisermos ter a nossa posição sobre o assunto definida e manipulada pela noção ideológica de "homofobia". É evidente que o termo foi cunhado a fim de empacotar toda e qualquer crítica aberta ao comportamento homossexual. O conceito não foi desenhado para libertar os homossexuais de alguma prisão, mas a fim de promover a repressão dos críticos da promiscuidade homossexual. Será (e vem sendo) uma desgraça, no entanto, se os evangélicos simplesmente vestirem a "carapuça", sem pensar com autocrítica no que pode ser feito para promover a humanidade do homossexual.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Tem jeito de ser Cristão sem Igreja?

É até um "lugar-comum" dizer que a igreja evangélica está em crise. Parece que ela vive em crise. É o seu estado normal. A afirmação nem tem mais apelo.

Quem se envolve de perto com a rotina das igrejas evangélicas sente-se às vezes bem cansado com a enorme distância entre as expectativas e promessas de realização religiosa e as misérias da divisão, da pobreza humana e dos conflitos de poder que acontecem lá dentro. Daí se pergunta: não tem jeito de ser cristão, sem igreja? ;-D

Kevin Vanhoozer e a Igreja

Acabei de ler o capítulo de Kevin J. Vanhoozer na coletânea The Futures of Evangelicalism: Issues and Prospects, editado por Craig Bartholomew, Robin Parry e Andrew West. O Título do capítulo é "Evangelicalism and the Church: The Company of the Gospel".

Vanhoozer é um dos interessantes teólogos ingleses que apareceram nos últimos anos. Embora não tão influente quanto McGrath, é sem dúvida interessante e tem algo a dizer. Sua tese de doutorado, publicada pela editora da Universidade de Cambridge, tratou de Paul Ricoeur (Biblical Narrative in the Philosophy of Paul Ricoeur: A Study in Hermeneutics and Theology), e ele vem lançando diversas obras muito ricas. Para citar duas: The Drama of Doctrine: A Canonical-Linguistic Approach to Christian Theology (O Drama da Doutrina: Uma abordgem canônico-linguística à teologia cristã) e Is There a Meaning in this Text? - Esta última traduzida pela Vida Acadêmica: Há um Significado neste Texto?

Pois bem; no capítulo Vanhoozer reconhece que o sucesso exterior da igreja evangélica mascara a sua fraqueza teológica quando o tema é "igreja". A eclesiologia evangélica está "no nível da pobreza". Um das razões disso tem a ver com a origem do movimento, que é extremamente "paraeclesiástico" e focalizado na salvação do indivíduo. Mas não é só a teoria eclesiológica que é ruim; a pobreza atinge a prática e a adoração evangélica, que tendem a se dobrar ao individualismo e ao consumismo.

Muita gente apontou o problema. Stanley Grenz (o autor daquele livro sobre pós-modernismo, da Vida Nova) observou que a identidade evangélica balança entre os pólos do proposicionalismo (doutrina correta) e pietismo (ênfase na piedade). Sua solução: que teologia seja vista como uma articulação do mosaico de crenças da comunidade cristã. O centro estaria mesmo no compartilhamento de uma experiência comum de fé. E a eclesiologia viria para o centro, substituindo a ênfase na doutrina correta.

A resposta de Vanhoozer a isso é muito interessante:

Que tipo de identidade Cristã as igrejas evangélicas deveriam nutrir? Me sinto infeliz com a dicotomia entre piedade e proposições. Eu quero a minha verdade, e quero sentí-la. A explicação bifurcada de Grenz da identidade evangélica relembra a análise bifurcada da modernidade em Kant. [...] Grenz, como Schleiermacher, simplesmente escolhe elevar a ética de Kant e a sua Crítica da Razão Prática sobre a sua metafísica e Crítica da Razão Pura. Mas o próprio Kant introduziu um terceiro termo: a imaginação. Eu creio que os evangélicos deveriam fazer algo similar (p. 50).

Ricoeur de fato discute bastante o papel da imaginação, em suas discussões hermenêuticas, desenvolvendo as idéias de Kant. Vanhoozer retoma isso na sua tese doutoral sobre Ricoeur, mostrando como a esperança está ligada à imaginação, etc. Mas veja onde ele chega com isso:

A identidade evangélica é melhor vista como formada pelo que podemos chamar de imaginação evangélica, ou seja, pelas narrativas bíblicas que apresentam o mundo como ele realmente é: criado, caído e redimido. Por imaginação eu não me refiro à capacidade de produzir imagens de coisas que naõ estão aqui, mas à capacidade de apreender uma dimensão da realidade que escapa à percepção sensória. A imginação é uma faculdade cognitiva distinta que capta diversas pessoas e eventos juntos em um tipo de visão sinótica; é a habilidade de captar diversas partes em termos de um todo (ou história) unificado (p. 51).

A importância do que Vanhoozer diz aqui não pode ser diminuída: de certo modo ele localiza a percepção da realidade das coisas - e isso vem de fato de Ricoeur, da noção de imaginação como "sonda" do real, e de Kant, enfim - na imaginação. Isso se encaixa bastante com muito do que Chesterton diz, sobre a percepção da realidade como algo além da mera coerência lógica. Com isso, ele relativiza o lugar do conhecimento doutrinal e da ética, introduzindo um elemento estético na percepção das coisas.

Ao mesmo tempo, ele não tira o lugar do evangelho para alcançar isso; o que ele faz é mudar o "órgão de percepção". Não é meramente a "experiência" (liberalismo) ou a "razão" (racionalismo teológico, fundamentalista ou não).

Ser evangélico, então, seria ser capturado pela narrativa evangélica; ter a imaginação aberta por ela, e perceber o mundo de outro jeito - como ele é de fato. Sem a narrativa, os contornos reais das coisas ficam difusos. Ser evangélico é, portanto, ter uma experiência de percepção diferente, além dos limites da mera razão ou da mera experiência. É "pegar" o sentido total da coisa.

Vanhoozer apresenta ainda algumas peças interessantes de crítica cultural e teológica; observa que boa parte dos evangélicos vê a igreja como um "soma de indivíduos", uma criação dos indivíduos (ao invés de criadora deles), critica a Macdonaldização da igreja (a técnica e a homogeneização dominando tudo), e avalia a tendência de alguns teólogos de elevar a idéia de comunidade - a eclesiologia - como o fundamento e o critério final da teologia (John Milbank, Stanley Hauerwas, John Howard Yoder e Stanley Grenz). Quanto à essa última tendência, bastante pós-moderna, ele responde:

Como temos visto, ser evangélico é insistir sobre a prioridade da palavra de Deus e dos atos de Deus sobre a fé, a resposta, ou as experiências de homens e mulheres e, eu adicionaria, sobre a fé, a resposta, ou as experiências de comunidades (p. 69-70).

"Muito bem", eu diria. E isso torna clara a visão de igreja de Vanhoozer: a "companhia do Evangelho". Para ele a igreja é o "tema", o "resultado", a "incorporação" e o "agente" do evangelho (p. 71). De sua fonte à sua missão, a igreja tem o seu centro no evangelho, na narração dos atos de Deus.

O que está bem de acordo com a definição da identidade evangélica como baseando-se na apreensão da narrativa evangélica, por meio da imaginação.

Daí Vanhoozer retoma as quatro "marcas" clássicas da igreja verdadeira - una, santa, católica e apostólica, e reinterpreta a falha evangélica em preencher essas características - especialmente a "unidade" - interpretando-as escatologicamente: em termos da dualidade "já/ainda não".

A solução é bastante útil. De fato ele já havia comentado antes que a tensão entre "igreja invisível" (pura) e "igreja visível" (imperfeita e ambígua) pode ser proveitosamente recolocado em termos do já/ainda não escatológico. Para os evangélicos, que lutam com o problema da fragmentação, o modelo explica bem.

Eu não faria justiça a Vanhoozer se não comentasse o quadro final que ele pinta a respeito da natureza da Igreja. Ele compara o evangelho como um "script", e a prática comunitária do evangelho - a igreja - como a "dramatização", do evangelho.

O termo "companhia", vem do latim: "com" + "panis" = "com pão". Vanhoozer sugere que a igreja compartilha a visão de Deus (teologia), uma mesa comunitária (ética) e também é uma "companhia teatral", que oferece interpretações do evangelho, superiores à própria exegese. Essas interpretações seriam a qualidade sobrenatural de sua vida comunitária: the playerhood of all saints.

Tem Jeito de Ser Cristão sem Igreja?

Vanhoozer ajuda a gente da dar uma resposta. Em algum ponto, discutindo se a eclesiologia é fundamental, a sua resposta foi "sic et non".

Sic

Sim, de certo modo. Porque o evangelho não vem da Igreja. A igreja é que é uma "criatura do evangelho". Ser evangélico é, portanto, reconhecer isso. É reconhecer que os atos de Deus tem prioridade sobre a resposta humana. E o evangelho é o anúncio, a narração desses atos salvadores de Deus. Ser evangélico - e este é o espírito da reforma - é anunciar a prioridade do evangelho.

Então, para um evangélico, a igreja nunca terá prioridade sobre o evangelho. Ela nunca será o seu juiz. Pelo contrário, ela sempre estará sob a sua bênção e o seu julgamento. É por isso, também, que ela é "semper reformanda".

E assim a espiritualidade genuinamente evangélica sempre será profundamente pessoal. Sempre apontará a necessidade de conversão pessoal, e do homem se tornar um indivíduo diante de Deus, responsável por sua escolha, de certa forma autor de si.

Non

Mas isso tudo soa tão moderno que me faz até bater os dentes. É, de fato. Olhando de perto, o evangelicalismo é bem moderno.

Vanhoozer faz o contraponto: precisamos da comunidade, porque é nela que o evangelho pode ser vivenciado, incorporado, agenciado. Acho que poderíamos dizer o seguinte: de fato, o evangelho é o princípio da igreja. Mas quem disse que ele é recebido e compreendido individualmente?

Acho que o ponto é este. É que a salvação trazida pelo evangelho não é "pessoal" no sentido de "individual". Ela é comunitária. Mais do que isso: ela é cósmica.

Então não dá para ser cristão "sem igreja". Cristão "sem igreja" é "semi-cristão". É como o fiel antes da vinda de Jesus Cristo. Crê em Deus, mas ainda está esperando o cumprimento da promessa. A vida cristã não é feita só de "ainda não". Tem que ter um "já", e um aspecto do "já" é a comunidade. Deus habita a comunidade. Não é o indivíduo meramente; é a comunidade o lugar da presença de Deus. Ele habita uma cidade. A Igreja é que é um corpo e um templo.

Sem Igreja Em Tempos Pós-modernos

Daí a dificuldade hoje. Pós-modernidade é em grande medida fragmentação, pluralidade, consumo, customização. As pessoas se revoltam contra tudo o que é "macro", ou "estrutural", ou "universal", ou "padronizado". Não existe "verdade única". Daí que muita gente acha que não precisa ser membro de "igreja". Cada um segue o seu coração, busca a sua experiência própria, diferente. Ninguém é igual.

Só que, com isso, ao invés de vencer a modernidade, a gente fica mais moderno ainda. Porque fica mais individualista, mais separado do outro, mais fraco diante das grandes forças de homogeneização - o Estado, o Mercado e a Mídia (na forma atual, a trindade do capeta ;-D).

E a imaginação? Como projetar o "filme" da narrativa evangélica sem uma "tela"? Como "representar" sem um "palco"? Ser cristão sem construir comunidade é aderir a uma idéia, não a uma vida. É matar aula no dia da prova. É sumir no dia do casamento.

Cristão sem igreja, no mundo de hoje, é a mesma coisa que nada.

Quer ser pós-moderno mesmo? Procure uma igreja de bairro.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Método para eliminar defeitos

Outro dia ganhei uma balinha no centro da cidade com a seguinte mensagem:

"Não podemos eliminar nossos defeitos mas podemos disciplina-los e restringi-los a tal
ponto que acabarão por desaparecer."

Confesso que me senti um tanto confuso. Mas por mim tudo bem se não puder eliminá-los, contanto que eles despareçam! ;-D

sexta-feira, 27 de junho de 2008

quarta-feira, 25 de junho de 2008

O Homossexualismo não Vai Contra a Natureza. Será?

Tenho uma cadela muito espertinha que de vez em quando faz cocô na minha cama. Previsivelmente, eu fico bravo. Mas minha esposa sempre diz: "Ora, Guilherme, é uma cadela!" Bem ela dizia isso antes. Agora já está ficando brava também. Sim, eu sei, isso é pura e simplesmente uma cachorrice, uma coisa de cachorro, da natureza canina - não o cocô na cama, propriamente, mas num lugar com o qual a minha cama, por uma ironia da providência, é semelhante. Sim, sim, mas... Cocô na cama é contra a minha natureza, bolas!

Mas será mesmo?

Na Folha Ciência

Com toda a certeza essa não seria a resposta do Dr. Andrea Camperio Cianni, geneticista da Universidade de Pádua, que concedeu entrevista à Folha Ciência publicada em 21 de Junho de 2008. A entrevista foi motivada por um estudo publicado por ele na revista PLoS One, no qual ele apresenta um modelo genético para explicar por que a homossexualidade aparece conectada ao aumento da fertilidade e mães e avós na linhagem materna do indivíduo.

De acordo com o modelo, haveria um gene (ou uma combinação?) que, presente em indivíduos do sexo feminino, aumenta a fertilidade e, em indivíduos do sexo masculino, gera uma "ligeira" atração por homens. Assim o gene que produz vantagem reprodutiva em mulheres produz, em homens, desvantagem reprodutiva. O Dr. Cianni nega explicitamente que sua teoria implique um determinismo genético - que o homossexualismo seja determinado pelos genes. Seu ponto apenas é que provavelmente há mesmo fatores genéticos que favorecem a "androfilia", ou a atração por homens, e que podem ocorrer tanto em homens como em mulheres.

A teoria parece de fato bem interessante. Sendo o homossexualismo tão comum e recorrente em diferentes comunidades humanas, seria de se esperar mesmo que ele tivesse algum tipo de base genética. Mas isso não é tudo. O Dr. Cianni apresenta algumas interpretações do significado de seu modelo que vale a pena considerar:

Há genes influenciando algumas pessoas, tornando mais fácil para elas optar pela homossexualidade. Ser ou não ser homossexual, porém, é resultado de história de vida, além de genes. O que queremos saber é por que os genes que influenciam a homossexualidade existem. Um gene que reduz a taxa de reprodução das pessoas deveria desaparecer. Esse é o dilema darwiniano da homossexualidade. A posição da Igreja tem sido por muito tempo a de dizer que o homossexualismo seria um vício, um pecado contra a natureza. Com o nosso estudo, podemos dizer claramente que o homossexualismo não vai contra a natureza. Ele faz parte da natureza, e é demonstrado precisamente pela seleção sexual darwiniana.

Pode-se, sem dúvida, dar diferentes interpretações do fato. Vamos tentar uma.

Talvez o nosso mecanismo genético seja deveras imperfeito, realmente. Na falta de uma boa solução para promover a fertilidade feminina, temos um gene que, ao invés de ter seu efeito androfílico neutralizado por uma compensação hormonal ou até genética, atua livremente em indivíduos de sexo masculino. Assim, a nossa espécie convive com o indesejável efeito colateral de produzir - homossexuais! Nas palavras do próprio Cianni, afinal, eles seriam indivíduos em desvantagem reprodutiva.

Ora, temos conhecimento da presença de mecanismos bastante desajeitados ou até desvantajosos, que eventualmente complicam a vida de determinadas espécies. Mas seriam meramente imperfeições (ao menos, é assim que elas são nomeadas pelos críticos do Design Inteligente) associadas às vicissitudes do processo evolucionário. Não poderíamos falar em doenças, a não ser que aplicássemos o termo a espécies como um todo.

Seja como for, seria mesmo muito chato, e politicamente incorretíssimo sugerir que o homossexualismo não é contra a natureza, porque imperfeições adaptativas, propensões genéticas potencialmente desvantajosas, ou até por um anomalia evolucionária são fatos da natureza. Pois até mesmo o câncer é resultado do mesmo mecanismo que torna possíveis as mutações, indispensáveis à evolução. Em outras palavras, sugerir que a homossexualidade é um acidente evolucionário; um efeito colateral...

Bem, acho que o Cianni não seria tão bobo de colocar as coisas nesses termos (embora não seja preciso muito esforço para enxergar que o rei está nu).

O mais curioso, no entanto, é a conclusão brilhante que Cianni tira desse fato: "podemos dizer claramente que o homossexualismo não vai contra a natureza. Ele faz parte da natureza". Uai, eu perdi alguma coisa? ;-D

A Falácia

Bem, vamos por partes:

1) Em primeiro lugar, Cianni supõe que uma coisa "faz parte da natureza" porque tem base genética e pode ser explicada pela evolução Darwiniana;

2) Em segundo lugar, ele rejeita a idéia de que o homossexualismo seja um "pecado contra a natureza", porque tem base genética.

Mas, convenhamos: que tipo de comportamento humano pode ser considerado contrário à natureza por esse critério? Com toda a certeza, todo tipo de comportamento humano deve ter alguma base genética, nem que seja indireta. Tudo o que o homem pode produzir em termos culturais, está baseado em possibilidades genéticas. Mas o invés de multiplicar exemplos disso aqui, vamos apenas tomar os exemplos de Cianni:

A comunidade gay sempre fica muito infeliz quando pessoas falam sobre esse assunto e os jornalistas começam a usar manchetes como "Descoberto o gene gay". Isso é besteira. Nós, geneticistas comportamentais, sabemos há muito tempo que o debate de natureza contra criação é fútil. Todos os genes têm de se expressar em um ambiente. O ambiente influencia a expressão do gene, assim como o gene influencia o ambiente onde ele se expressa. Vou dar um exemplo. Todos nós temos genes que favorecem o roubo, porque se não tivermos o comportamento do roubo, não sobreviveremos em uma emergência onde ele pode ser necessário. Isso não significa que sejamos forçados a sermos ladrões.

Ótimo. Não podia ser melhor.

Todos nós temos genes que favorecem o roubo. Então o roubo não é contra a natureza, não é mesmo? Coitado daquele ladrão. Ele apenas tem uma desvantagem associativa de base genética. Coitado de mim também. Afinal, eu sou um bobão que tem uma desvantagem moralista de base genética. Eu acho que o ladrão é um safado que precisa ir em cana. Espero que tenham pena de minha desvantagem genética.

Sim, vamos ser justos. O Dr. Cianni está explicando que alguns genes nos ajudam, em uma situação, e nos atrapalham em outras. Não dá para taxar os genes de "maus" e "bons" (embora Richard Dawkins insista em dizer que eles são egoístas). Então o que precisamos considerar, ao julgar um comportamento, segundo as suas próprias palavras? O ambiente. Aquilo que vai além dos genes.

A despeito disso, a conclusão consistente do raciocínio de Cianni é de que a ladroagem não é contra a natureza. E como sabemos que o estupro, o assassinato, a pedofilia, a violência em geral, diversas formas de sociopatia e psicopatia, depressão, irritabilidade, toxicomania, e uma infinidade de outros "desvios comportamentais" tem, todos, bases genéticas reconhecidas, devemos concluir que todos são naturais. Não são contra a natureza. Todos tem explicações em termos da seleção natural Darwiniana (e tem mesmo, não estou brincando).

Diante dos fatos, tudo o que posso dizer é repetir as palavras do nosso amigo italiano: "isso não significa que sejamos forçados a sermos ladrões".

Igualmente, "Isso não significa que alguém é forçado a ser homossexual" - mesmo que alguém tenha genes que favorecem essa prática, isso não significa de modo algum, absolutamente, que o homossexualismo seja bom para o ser humano, ou válido, ou que não seja um pecado.

E por falar em pecado: em primeiro lugar, o pecado é contra Deus, e em segundo lugar, contra o homem. Sem dúvida concordamos com o Dr. Cianni, de que não há pecado contra genes (ou "a natureza" em suas palavras). Só parece estranho que ele atribua a afirmação dessa tolice à Igreja.

Contra que Natureza?

Quero avançar um pouquinho na reflexão.

Um mínimo de sensibilidade demonstrará que o Dr. Cianni está relativamente confuso (ou talvez, tenha se confundido apenas na sua entrevista, o que é provável) a respeito do conceito de "natureza". Ele diz sem meias palavras que o que tem base genética não é contra a natureza. Isso equivale a dizer que "o que é, é certo".

A não ser que ele postulasse a existência de duas realidades separadas: a "natureza", que seria tudo o que é material ou biológico, e a "cultura", que seria uma criação arbitrária da liberdade humana. O problema com este modelo, é que se a liberdade humana e a criatividade cultural forem reais, a ponto de afetar a nossa resposta aos genes, isso significaria que elas são, efetivamente, uma "segunda natureza" distinta da "natureza física". Mas eu pergunto: de onde teria vindo tal natureza? Do espaço sideral?

Uma solução mais interessante seria simplesmente admitir que o que é natural para o homem não é o que tem uma base genética, mas o que realiza as possibilidades criativas do homem. Em outras palavras, para julgar um comportamento, não é suficiente empregar um termo genérico como "natureza". Precisamos de um conceito de "natureza humana". O Dr. Cianni efetivamente emprega um conceito de natureza humana como sendo indistinto de "natureza biológica". Isso não é suficiente, é óbvio. Um conceito válido de natureza humana precisa dar conta da base biológica, mas também dos aspectos social, estético, jurídico, ético, religioso, racional, e assim por diante.

A partir do conceito de "natureza" do Dr. Cianni, até o nazismo não é contra a Natureza. Afinal, quem sabe se a mãe natureza não está tentando nos extinguir, agora que descobriu que somos prejudiciais à vida na terra? É por isso que temos bombas atômicas, Osama bin Laden, Bush, a rede Globo, e a Folha Ciência, afinal. E o Dr. Cianni, é claro.

Eu estaria disposto até mesmo a admitir que, talvez, o gene (se ele existe mesmo) que favorece a androfilia nos homens (o homossexualismo) tenha uma finalidade interessante, útil, como é o caso do gene do roubo (que ajuda na autodefesa). Talvez, por exemplo, ele sirva para que exista o celibato clerical. Por que não? Uma procissão é algo muito mais interessante do que a Parada Gay, aquela coisa horrorosa.

Aprender a "Natureza"

Apenas para estabelecer um contraponto, cito a entrevista do educador e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Yves de La Taille, para a revista Nova Escola deste mês. Discutindo o problema da falta de princípios na escola, e a necessidade de uma educação ética, ele dizer que "A dimensão moral da criança tem de ser trabalhada desde a pré-escola. Ética se aprende, não é uma coisa espontânea".

O que seria ensinar ética a uma criança? Se ética não faz parte da "natureza", nem deveríamos ensiná-la. Afinal, seria uma forma de reprimir a natureza, que é sempre "espontânea".

A ética pertence à natureza humana, não à natureza "em geral". O fato de ela precisar ser aprendida não significa que não seja parte de nossa constituição. É por isso que o homossexualismo não é contra a "natureza" em geral, mas é contra a "natureza humana": é éticamente problemático. Mas em tempos de reducionismo materialista, ou genético, ou sociológico, é difícil, muito difícil fazer as pessoas encararem a verdade.

Tudo o que posso dizer...

Bem, seja como for, tudo o que posso dizer é que a entrevista, do entrevistado ao entrevistador e à escolha do título, reflete a mesma monstruosa, colossal, titânica ignorância do homem moderno em relação à sua verdadeira natureza. Se não sabemos mais o que é a natureza humana, como teremos condições de dizer o que é contra a natureza, e o que não é?

Assim, o jornalismo científico popular continuará "demonstrando" que, já que existe homossexualismo entre macacos e ratos, isso é simplesmente "a natureza". Que natureza minúscula.

E a mim, meu Deus, o que me resta? Vou me juntar à minha cadela e evacuar na minha própria cama.

Mas não vai ficar assim não. Vou fazer dentro da casinha dela também.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

A Objeção Reformada ao Dogma da Autonomia da Razão

Isso tem bastante a ver com o meu recente post sobre Chesterton!

Na próxima terça feira (24/06) será a quinta palestra do 1 Ciclo de Palestras L'Abri Brasil. O tema será "A Objeção Reformada ao Dogma da Autonomia da Razão". Trata-se de uma espécie de crítica da concepção moderna de racionalidade, acompanhada de uma proposta cristã.

O palestrante será Guilherme de Carvalho, eu mesmo :-D, a partir das 20h00

Local: MINUETO CENTRO MUSICAL
RUA PAULO SIMONI, 54 - SAVASSI

Uma oportunidade para entender melhor de onde tiro minhas esquisitices filosóficas!

quarta-feira, 18 de junho de 2008

A Epistemologia da Ortodoxia

Chesterton é mesmo impagável...

Se você discutir com um louco, é extremamente provável que leve a pior; pois sob muitos aspectos a mente dele se move muito mais rápido por não se atrapalhar com coisas que costumam acompanhar o bom juízo. Ele não é embaraçado pelo senso de humor ou pela caridade, ou pelas tolas certezas da experiência. Ele é muito mais lógico por perder certos afetos da sanidade. De fato, a explicação comum para a insanidade nesse respeito é enganadora. O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão. A explicação oferecida por um louco é sempre exaustiva e muitas vezes, num sentido puramente racional, é satisfatória. Ou, para falar com mais rigor, a explicação insana, se não for conclusiva, é pelo menos incontestável. [...] Se um homem disser, por exemplo, que os homens estão conspirando contra ele, você não pode discutir esse ponto, a não ser dizendo que todos os homens negam que são conspiradores; o que é exatamente o que os conspiradores fariam. Apesar de tudo, ele está errado [...] Talvez a maneira de nos aproximarmos ao máximo dessa descrição é dizer o seguinte: que a mente dele se move num círculo perfeito, porém reduzido (G. K. Chesterton, Ortodoxia).


Ao longo de minha ainda curta trajetória como teólogo e pastor, encontrei um sem-número de vezes aquele tipo, descrito por Chesterton, que defende com vontade e com uma consistência exasperante a racionalidade de uma visão simplista do real.

Simplista, seja ele quem for: do ateu ao fundamentalista evangélico, aquele tipo estereotipado, apologético, que segue com lógica inflexível e fatal uma idéia que, obviamente, se não é falsa, é unilateral. Não que seja sempre inconveniente a lógica inflexível; mas é que ela é como a beleza: pode-se ser belo e mau. Ou feio e bom.

Sabedoria é reconhecer quando um argumento é lógico mas falso, e quando é construtivamente feio mas verdadeiro. Feio na forma, na formulação, na fôrma discursiva. Torto, desengonçado, balbuciado - mas verdadeiro, e daí?

Sim, para ser justo, preciso reconhecer que a verdade também é feia, às vezes. Mais vale um pouco de realidade feia do que muita falsidade bonita. E para ser justo, preciso reconhecer que às vezes a consistência lógica conduz a uma conclusão feia (e não bela) que é verdadeira. Mas, no caso, a beleza da consistência lógica está em mostrar a feiúra da realidade. Palmas para ela. Sua beleza serviu à verdade.

Quem me dera fosse sempre assim. No mais das vezes, vejo pessoas embelezando argumentos para defender bobagens como o ateísmo, o comunismo, o individualismo ou a irrelevância da ciência para a fé (onde fundamentalistas e Dawkinianos se beijam). Ora, ora, vaias para essa consistência lógica. Sua beleza serviu à mentira. Mesmo que seja bonitinha, consistente, proporcionada, não passa de mulher da vida...

Este é o "círculo" denunciado na epistemologia de Chesterton: infinito, mas ainda assim minúsculo. Minúsculamente infinito, fechado para si mesmo, incurvatus in se (Lutero).

Como o materialista que nega a realidade da personalidade humana, com a qual acorda e vai dormir todos os dias, porque não é consistente com seu "sistema". Ou o marxista que dorme e acorda todos os dias com a realidade de que o homem é irredutível aos "meios de produção" mas quer negá-la, porque não concorda com o "sistema". Ou como o criacionista científico, que acorda e vai dormir todos os dias com a massa de evidências da longa idade da terra, mas prefere apostar num relativismo epistemológico a dar crédito à ciência (exceto, naturalmente, quando ela confirma algo escrito na Bíblia. Daí, de repente, as regras mudam), porque não concorda com o "sistema" (teológico). E assim por diante: deixando o bom senso em nome da consistência.

Se precisar escolher entre consistência e bom senso, fique com o bom senso. Não perca tudo para ficar só com a razão.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Campanha contra a Volta da CPMF (CSS)

Só para ajudar na divulgação. Eu já assinei o manifesto, junto com mais de 33.000 pessoas até agora. Para entender e participar, clique no link:

Campanha contra a nova CPMF


Vote contra o Leviatã! Só Deus é Soberano! :-D

terça-feira, 10 de junho de 2008

Coletivismo Chinês: Tão errado quanto a gente...

É difícil não observar em alguns filmes "chineses" (ao menos, tematizando a China) como "Herói" um fortíssimo traço coletivista. Aquela coisa de considerar o indivíduo bom aquele que se entrega ao país, ao Estado. A individualidade é um detalhe; talvez um obstáculo.

Mas isso não é preconceito não; é a pura verdade. Lendo um interessante capítulo do holandês Sander Griffioen - sobre a teoria das instituições sociais de Dooyeweerd, encontrei uma citação, por ele, de He Zhaowu, um historiador da Academia Chinesa de Ciências Sociais, de 1991. Diz Zhaowu:

"Enquanto o ponto de partida no Ocidente foi a oposição entre o indivíduo e a comunidade, os chineses tomaram o indivíduo como uma mera parte constituinte de uma comunidade supra-individual, em nome da qual todas as atividades individuais tem sua motivação. Assim, na tradição intelectual da China dificilmente surgiria uma ideologia baseada meramente no indivíduo monádico" (Griffioen, Sander. Dooyeweerd's Theory of Social Institutions. In: Christian Philosophy at the Close of the Twentieth Century, p. 143).

Pois é, isso diz muito sobre o coletivismo Chinês. É um totalitarismo que esmaga a individualidade. Por outro lado, pode nos ajudar a ter mais autocrítica. "Herói" é um insulto às minhas sensibilidades ocidentais. Me sinto melhor assistindo "Mulan" da Disney (sabe, é até legal mesmo. Aquela moça se revoltando contra todo mundo e salvando a China! Pimenta nos olhos dos outros não arde...). Mas é fato que o individualismo ocidental trata indivíduos como mônadas isoladas. Os chineses estão meio certos. Igual a gente. Ou, meio errados...

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Novas Palestras em MP3

Caros leitores/ouvintes;

só para informar - há mais dois sermões em Colossenses e novas mensagens (sermões e palestras) sobre identidade pessoal, educação, doutrina e igreja disponíveis no site, no endereço abaixo:

http://www.guilhermedecarvalho.com/mp3.htm

abr,

Guilherme

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Site Novo!

Caros amigos,

para facilitar as coisas (se bem que outras ficaram mais difíceis), decidi arranjar um domínio de vez e transferir minhas trouxas pra lá. :-D

Thereby, tenho um site novo:

http://www.guilhermedecarvalho.com/

abr!

Guilherme

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Artigo sobre nós na ASPECTS

Na Holanda eu e o Rodolfo visitamos o Centro para a Filosofia Reformacional, em Soest, e conhecemos a Dr. Hillie, que se prontificou a ajudar no desenvolvimento da filosofia calvinística no Brasil.

Mais recentemente o pessoal da associação entrou em contato e publicou uma curta matéria no seu boletim (Aspects of Reformational Philosophy, vol 2 (2008) NO.1) sobre o desenvolvimento da filosofia reformacional no Brasil. O texto pode ser lido (em inglês) no endereço abaixo:

http://www.aspecten.org/aspects/AspectsMarch2008.pdf

De fato, a Associação Kuyper no Brasil é agora mais famosa na Europa do que no Brasil :-D