domingo, 20 de dezembro de 2009

Porque Inventei o Natal

Me lembro de curtir natais maravilhosos em família desde pequeno. Sempre havia nozes, passas (eu detestava isso...) presentes (ah, disso eu gostava!) Jesus, Belém, neve, parentes distantes, papai noel... Eu não sabia bem se era uma festa cristã ou não; só sabia que era bom.

Daí várias igrejas descobriram que a origem da festa de Natal era pagã. Fomos informados de que o 25 de dezembro fora o dia do solstício de inverno no hemisfério norte, que era a data de adoração ao deus-sol, que Jesus não nasceu nessa data, que a Igreja Católica pegou a data para combater a idolatria, etc. Daí, como bons crentes e anticatólicos, abolimos o natal. Nada de paganismo. Nada de presentes, neve (bem, isso não tinha mesmo), parentes, Belém, papai noel, nozes...

Não estou certo de que nos livramos do paganismo com isso. Sim, me livrei das passas mas, tristemente, as nozes foram embora junto!

Será então que crente não pode fazer festa? "Ora, pode sim" - me disseram. "O cristão tem duas festas para comemorar: a data do seu batismo e a ceia do Senhor". Daí acabou tudo: até a páscoa "foi pro saco". A princípio engoli a resposta, mas logo o barco começou a fazer água; "será que vão sumir com o dia do meu aniversário?"

Daí pra frente, graças a Deus, começou o caminho de volta. Aprendi que a ceia e o batismo não são "datas comemorativas". Hoje entendo que são sacramentos, e não meras lembranças. Portanto, não servem como substitutos para festas religiosas ou seculares.

Depois tive uma crise de calendário. Dando aulas de introdução histórica ao Novo Testamento no seminário, descobri que há boas evidências de que Jesus nasceu no final do ano mesmo. E mais: sua chegada foi anunciada por fenômenos astronômicos que os reis do oriente (que não eram judeus) interpretaram como um sinal divino. Como isso teria ocorrido sem que Deus usasse elementos de sua cultura e de sua religião?

Sim, nada disso bastaria para justificar a comemoração do Natal. O que me levou a retomar o Natal foi uma constatação muito mais prosaica: a de que o fim do ano sem Natal fica mais triste. E a única tristeza que faz bem é a do arrependimento. Para que servem datas comemorativas? Para relembrar o que não deve ser esquecido. Data de festa a gente inventa. E a gente inventa quando há algo de importante. Ora, o nascimento de Jesus não foi importante? Como é que podemos comemorar nossos aniversários sem nenhum sentimento de culpa e não podemos comemorar o aniversário da encarnação do Verbo? Se o Natal não existisse, teria que ser inventado!

Foi então que eu inventei o Natal. E decidi inventá-lo exatamente no dia 25 de Dezembro (já que não sabemos o dia certo em que ele nasceu). Porque escolhi essa data?

1. Para enfatizar que não existe nenhum deus-sol, mas apenas o Deus de Jesus Cristo;
2. Para lançar confusão sobre essa versão midiática pagã e melosa de Natal, que quer falar em Paz sem falar em Jesus Cristo;
3. Para contrariar todas as formas de cristianismo legalista, que se dedicam a coar mosquitos e engolir camelos;
4. Para alegrar às minhas duas filhinhas.

Com certeza há outras boas razões para fazer isso. Mas, sinceramente, considero a razão número 4 perfeitamente suficiente. Afinal, Deus não gosta de tristeza.

Se na sua vida não tem Natal, então invente!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Impureza Sexual tem Cura? - PARTE 2


O meu corpo sou eu, ou não sou eu, afinal de contas?

Os espíritas e alguns irmãos neopentecostais dizem que somos espíritos que habitam em corpos -- mas isso não pode ser verdade. Afinal, Deus disse a Adão: “Tu és pó”. Então o corpo também sou eu. Estranhamente, no entanto, o apóstolo Paulo, que não era espírita nem neopentecostal, dizia que o seu corpo era a sua “casa”.

Ora, se eu sou meu corpo, mas também posso tratá-lo como a minha casa, então há algum tipo de complexidade em mim; talvez, haja uma dualidade. Sou capaz de não apenas ter um eu, mas saber que tenho um eu, e até mesmo dialogar comigo mesmo. E mais: posso me relacionar com o meu corpo (que também sou eu) a ponto de tratá-lo como “eu” e “ele” ao mesmo tempo, como Paulo faz em Romanos capítulo 7, dizendo coisas como “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum”, e logo depois que “o querer o bem está em mim”.

Bem, acredito que essa dualidade tem tudo a ver com a questão da impureza sexual. No artigo anterior falei sobre a necessidade do amor ao próximo para lidar com a impureza sexual; agora vou tocar em outro ponto -- o amor do homem por seu próprio corpo. Porém, não quero tratar do assunto do ponto de vista tipicamente psíquico, ligado à questão da autoestima; é que, de algum modo, sinto que a nossa visão sobre a relação entre a personalidade e o corpo tem um impacto estruturante em nossa ética sexual. Certo, parece uma afirmação trivial. Mas minha experiência me diz que a trivialidade anestesia o nosso senso crítico.

Passemos então sem demora à discussão do assunto: como é essa relação entre mim e o meu corpo?

Dentro e fora

Vamos assumir que de um jeito ou de outro meu espírito e meu corpo sejam o mesmo “eu”, a “alma vivente”, feita de pó da terra e espírito de vida. Como poderíamos representar tal coisa? Talvez possamos dizer que somos como um tecido dobrado. Pela dobra o tecido se encontra consigo mesmo, uma ponta com a outra; e assim, dobrados, podemos olhar nossas faces no espelho, e esse fato curioso acontece: o olho atenta para a face, e vê a alma nela; e a alma olha pelos olhos, e sabe que aquela face é sua.

Difícil? Talvez seja melhor usar uma feliz expressão de Paulo: o “homem interior” e o “homem exterior”. Essa é, sem dúvida, uma boa imagem da coisa toda. Tenho um “dentro” e um “fora”; uma “superfície” e uma “profundidade”. Na profundidade está o meu centro -- o coração; e na superfície, torna-se patente o que o coração é. Sim, Paulo não inventou isso; a ideia é muito mais antiga: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23). Na antropologia bíblica, o homem tem um centro; um “self” no qual tudo o que ele é está concentrado. Poderíamos dizer que o corpo é o coração patente, e o coração o corpo latente.

Vou estender um bocadinho a metáfora e apontar algo que, creio, ela implica: que há uma espécie de “distância” natural entre “eu” e “eu”; mais precisamente, entre a minha autoconsciência, e o meu corpo. A distância entre o interior e o exterior faz com que haja um “atraso” entre os dois. Às vezes o interior é de um jeito, e o exterior de outro. A mudança de um não implica uma resposta imediata do outro. E podemos até colocar um contra o outro, pasmem!

Ora, os exemplos disso não faltam. O hipócrita é de um jeito por dentro, e de outro por fora. O homem vê o exterior, mas o Senhor vê o coração (1Sm 16.7). Tem gente feia por dentro e bonita por fora, feia por fora e bonita por dentro. “Não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero esse faço”, disse o velho rabi. Já me imaginei tocando piano de um jeito, mas constatei no último domingo que minhas mãos não me obedecem. Quero chorar, mas dou um sorriso para despistar. E, se a minha “casa” se desfizer, há outra para mim, “reservada nos céus” (2Co 5.1).

Em princípio, esse “atraso” é bom. Ele faz com que, de certo modo, possamos ser e não ser ao mesmo tempo. É algo como a diferença de potencial ou tensão entre dos fios elétricos; justamente essa diferença faz surgir a corrente elétrica. A tensão entre o homem interior e o homem exterior faz a gente ter “dinâmica”. Precisamos nos tornar conscientes do que somos e exercitar a vontade para harmonizar o dentro e o fora. Desse modo, a consistência deixa de ser algo dado, para ser objeto de conquista. Será preciso escolher ser consistente -- escolher ser uma pessoa integrada.

Dentro sem fora e fora sem dentro?

E aqui, como sempre, temos que falar do pecado. Por causa da queda do homem e de seu afastamento de Deus criou-se, mais do que um descompasso, uma ruptura entre o dentro e o fora. A ponto de “o pó voltar para a terra, e o espírito voltar para Deus, que o deu”. Cada homem, por causa do pecado, vive morrendo; vive o processo de ser lentamente rasgado, até que a corrente “elétrica” cesse dentro de si. E a característica dessa ruptura final é a perda do corpo, a sua superfície. Isso é o que significa a morte: não há mais imagem; não há mais uma face com músculos para mostrar o sorriso da alma.

Claramente, se nos damos conta dessa distância, compreenderemos que a morte é o que se mostra no alargamento dessa distância. É mortal tudo aquilo que me impede de ser consistente, de manter a conexão entre o interno e o externo. Todo conceito, decisão ou processo que produz a inconsistência é mortal; tudo o que promove a independência da alma em relação ao corpo, ou do corpo em relação à alma, é mortal.

Mortal é a filosofia de Descartes. Pois ele estabeleceu a razão como critério absoluto da verdade, e por isso duvidou de tudo o que não pudesse demonstrar racionalmente. Por isso duvidou até da existência do seu corpo, a “res extensa”, e identificou o seu ego com o pensamento, a “res cogitans”: “Penso, logo existo”. Daí pra frente, demonstrar como a alma racional se relaciona com o corpo virou um problemão. O pensamento ocidental permaneceu oscilando entre dois extremos: diminuir o corpo material (idealismo), ou negar a existência da alma (empirismo Humeano), dissolvendo-a no corpo.

A última opção anda bem popular hoje em dia. Mortal é o pensamento de Daniel Dennett, que considera a liberdade uma ilusão criada pelo cérebro, o qual não passaria de uma máquina bioquímica. Mortal é o pensamento do grande Claude Levi-Strauss, que aguardava ansiosamente pela aniquilação definitiva das ideias de “eu”, “self” ou “alma”, a partir de uma espécie de materialismo racionalista. Deve ter sido uma decepção para ele descobrir-se tendo um eu sem corpo -- o que é a sua condição atual desde o fim de outubro.

Assim, dentro da filosofia, se traça um suicídio do humano, negando-se a distinção entre o dentro e o fora, ou esticando-se a conexão até a ruptura -- tudo sempre em nome de uma superação do dualismo. Mas não se pode confundir dualidade com dualismo. Mortal é a destruição da dualidade.

Da filosofia para o sexo

Antes que o leitor desista de esperar, vou dizer logo o que isso tudo tem que ver com sexo, e com impureza sexual. Alguns leitores mais atentos provavelmente já pegaram a pista. É que há uma relação interna entre a nossa ética sexual contemporânea e a ruptura da dualidade fora/dentro, consciência/corpo.

O que os modernos pensam a respeito do homem é que ele deve ser livre. É preciso promover a liberdade humana nas artes, no pensamento, na política, e na sexualidade. E a liberdade significa a indeterminação, ou o arbítrio. Fala-se às vezes, devo conceder, em “autonomia” no sentido de que o homem deve “dar a si mesmo a lei universal”; mas essa ideia de autonomia, inventada por Kant, perdeu a legitimidade com a crise de fundamentação da modernidade, e prevalece cada vez mais a versão Nietzschiana de autonomia, segundo a qual a vontade de poder e a decisão individual criam “ex nihilo” a lei que o homem dará a si mesmo. A “liberdade” no mundo pós-moderno é a liberdade Nietzschiana.

Converteu-se, portanto, a liberdade, em liberdade para comprar e consumir produtos, liberdade para não ter posicionamentos políticos definidos, liberdade de criar a própria religião, ou de pertencer a todas e a nenhuma, de não ser de ninguém, para ser de todo mundo e todo mundo ser meu também. Campeãs nisso são as empresas de telefonia, garantindo que, se comprarmos seus produtos, teremos muito mais liberdade e viveremos num mundo “sem fronteiras”.

Com a necessidade de abrir espaços para o exercício da liberdade arbitrária, o corpo humano tornou-se a vítima imediata. Pois o corpo é o que está mais próximo do eu. Instrumentalizar o corpo para aumentar a liberdade de escolha interessa ao eu, quando este anseia por livrar-se de limitações rígidas, e interessa ao sistema, que precisa ampliar seus mercados. É claro que uma ética sexual que limite a exploração do prazer por meio do corpo constituirá um sério obstáculo ao crescimento da liberdade humana, desse ponto de vista libertário.

E foi assim que teve início a grilagem sexual e o loteamento comercial do corpo, da filosofia moderna com seu incontrolável impulso libertário-prometeico, para a dissolução de todos os valores, hábitos e estruturas sociais que impliquem o cerceamento da liberdade do prazer na sociedade contemporânea.

Daí o corpo vai virando esse campo de experimentação da liberdade: ele deve ser pintado, tatuado, cirurgicamente modificado; perfurado, dobrado, bombado, e cyborgificado; sua cor pode ser modificada, e todos os seus buracos deveriam ser experimentados, mas sempre ao gosto do cliente; se minha alma tem um sexo diferente, então o corpo será trocado; se ainda não pode ser trocado, será mutilado; se está grávido de um feto indesejado, será libertado; pois há que se preservar o absoluto e arbitrário domínio do indivíduo sobre o seu próprio corpo.

Civilizar a desonra

Ora, muitos dirão que isso é uma apropriação mais madura do corpo; que as pessoas hoje em dia têm mais liberdade para se expressar com o corpo e possuí-lo. Eu digo que não. Só um espírito vencido aceitaria explicação tão sonsa.

Pois é claro como o dia que todos esses usos do corpo são instrumentais. São idênticos, no conjunto, aos usos que fazemos da natureza, derrubando florestas naturais e plantando capim ou reflorestando com eucaliptos; ou queimando combustíveis fósseis em excesso, destruindo nascentes e emporcalhando os litorais. Façamos um exercício de autocrítica: a sociedade autoconsciente pode ser comparada a uma “alma”, incorporada em um “corpo” biofísico, que é a biosfera. Ora, não é verdade que, para aumentar a liberdade humana (de consumir produtos, basicamente), estamos estuprando o meio ambiente? Não há uma relação interna entre o impulso libertário da cultura moderna e a violência?

Pois então compreendamos, e vou dizer sem meias palavras, o que está por trás da presente cultura da “pegação”, da liberação sexual, da criminalização da crítica ao homossexualismo, do aborto, do poliamorismo, e de coisas ainda mais estranhas: nada menos que o estupro do corpo, perpetrado pelo próprio “self”. A violência do eu externo pelo eu interno.

O estupro é a violência de fonte biológica; a violência para assegurar o prazer, o sentido de domínio, e a propagação da carga genética. No mundo humano, o estupro literal é a manifestação sexual de uma pulsão de violência que se manifesta em outros níveis, como no do Estado totalitário, da intolerância religiosa, da guerra (se você duvida, preste atenção nesses grafites de banheiros universitários: porque a violência e o insulto aparecem associados ao sexo?). É claro que a sociedade moderna precisaria canalizar essas forças de algum modo -- e isso é o que está por trás do discurso sobre “aumento da liberdade” dos modernos. O fato é que a forma mais eficiente de manipulação técnica do desejo humano encontrada pelos modernos foi a cultura do consumo, da qual a liberação sexual é uma parte essencial.

Não seria aceitável, no entanto, que as pessoas se estuprassem mutuamente com uso direto de violência. Seria preciso, para canalizar os impulsos de prazer e violência dos indivíduos, facilitar o acesso ao corpo (a natureza a ser explorada e consumida) e modificar a vontade moral dos indivíduos. Enfim: não dissolver o desejo do estupro (de usar sexualmente o outro), mas dissolver a resistência do indivíduo à instrumentalização do seu corpo. Em outras palavras, seria necessário civilizar essa instrumentalização do corpo, civilizar o estupro. Mas como é que isso se pode implementar?

É aqui que chegamos ao verdadeiro coração do problema.

Ora, se estupro o meu corpo, não posso ter uma relação demasiado íntima com ele. Não posso tratá-lo como o meu eu, ou como parte do meu eu, se vou explorá-lo indiscriminadamente. A solução é tratar o próprio corpo como expressão apenas contingente do eu, desonrando-o. Assim o indivíduo poderá dar livremente o seu corpo, sem entregar a sua alma juntamente com ele. Homens e mulheres podem oferecer seus corpos, instrumentalizá-los, e utilizá-los como quiserem; não há mais perversão sexual, pois não se pode julgar o caráter de alguém pela forma como ele faz sexo; pois o caráter do indivíduo -- acredita-se -- nada tem que ver com o seu uso do corpo. Enfim: o corpo não sou eu; o corpo é “meu”. A desonra é, assim, a morte espiritual; é a entrega do corpo ao fogo.

Note-se a relação e distinção entre o estupro e a desonra: esta última tem a ver com o símbolo. Desonra-se uma nação pisando-se a sua bandeira, que é o seu símbolo. Desonra-se igualmente a pessoa (o interno) banalizando o seu símbolo visível (o externo).

Assim como, para abusar da natureza, o homem moderno precisou construir uma imagem da cultura como algo “fora” da natureza, como se ele estivesse muito além dela, o libertinismo sexual se torna psicologicamente viável pelo desligamento moral entre eu e corpo. Esse desligamento é evidente no discurso de que o uso sexual dado ao corpo não é importante, desde que traga prazer e aumente a liberdade do indivíduo.

Ocorre, no entanto, que tal separação não pode ser feita. Há um atraso entre interno e externo, mas não uma separação absoluta. Em última instância, aquilo que o homem faz com o seu corpo, faz a si mesmo. O corpo é o símbolo visível do coração. Portanto, a separação psicológica feita pelo homem ao usar seu corpo como instrumento externo de prazer é uma separação ilusória, completamente falsa. O atraso entre o interno e o externo torna possível que o interno estupre a si mesmo, como se não fosse a si mesmo, mas a um outro. Mas o outro (o corpo) ainda é o si mesmo. Ao estuprar o seu corpo, o homem estupra a si mesmo. Ao desonrar o seu corpo, o homem não pode amar a si mesmo.

Além disso, na medida em que estupra a si mesmo o indivíduo não tem mais porque resistir ao estupro do outro; se um corpo humano é instrumentalizado, todos o são igualmente por um princípio de reciprocidade (exatamente da mesma forma como o amor a mim mesmo e o amor ao próximo estão unidos). A afirmação da liberdade humana passa a equivaler assim à instrumentalização generalizada do corpo, com o desenvolvimento de uma nova ética sexual pública (sim, exatamente como o faz atualmente o Estado brasileiro), que pretende plausibilizar a distinção entre pessoa e seu corpo sexual policiando questionamentos públicos dessa distinção (do que a PLC 122/06 é apenas um exemplo). A ética sexual secular é a ética da desonra.

Impureza sexual e desonra na Bíblia
Ora, o que descrevemos acima é o que Paulo diz em Romanos 1. 24-27: que os homens rejeitaram o conhecimento de Deus e foram por isso entregues às concupiscências do seu coração, “para desonrarem os seus corpos entre si”, mudando o modo de suas relações íntimas, praticando coisas contra a natureza etc. Não é por acaso que o apóstolo associa a concupiscência à desonra do próprio corpo e do corpo do outro. É que a concupiscência leva ao desamor; cessa o amor por mim mesmo e pelo meu próximo, e o fim do amor aparece em nossa relação com o símbolo da alma, que é o corpo. A impureza sexual traz dentro de si o desprezo do indivíduo por si mesmo e pelo seu próximo.

É Paulo quem diz de novo: “Fugi da impureza. Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo” (1Co 6.18).

Graças a Deus por um verso tão claro: a impureza sexual é o pecado do homem contra si mesmo; é a contradição, a desonra do próprio corpo, que deixa de ser tratado como o santuário de Deus, destinado à ressurreição dos mortos. Pois a impureza trata o corpo como um instrumento descartável, como alguns crentes helenistas faziam: “Os alimentos são para o estômago, e o estômago para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como aquele”. Em outras palavras, “comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”. Não há futuro para o corpo; ele é só uma ferramenta temporária. Por isso alguns dos Coríntios até perderam a fé na ressurreição (1Co 15). Por trás da desonra do corpo está o desespero.

Paulo prossegue, afirmando que aquele que se une à prostituta é uma só carne com ela, e o que se une ao Senhor é um espírito com ele; e que não podemos tornar os membros de Cristo membros de uma meretriz. Ora, tudo isso implica que o corpo não pode ser concebido à parte do eu. O seu destino é o mesmo do eu; as suas relações são as mesmas do eu. Se dou meu corpo à meretriz, dei-lhe também minha alma; se dou a Cristo a minha alma, dei-lhe também o meu corpo. Para Paulo, o hebreu, era inconcebível imaginar que o corpo pudesse ser empregado de qualquer jeito, impunemente, segundo o delírio dos gnósticos. Amar a Deus, amar ao próximo, amar a si -- tudo isso implica honrar o corpo: “Que cada um de vós saiba possuir o próprio corpo em santificação e honra, não com o desejo de lascívia, como os gentios que não conhecem a Deus; e que, nesta matéria, ninguém ofenda nem defraude a seu irmão; porque o Senhor, contra todas estas coisas, como antes vos avisamos e testificamos claramente, é o vingador” (1Ts 4.4-6).

O ensino não permanece consistente? O corpo deve ser honrado; ceder à lascívia é desonra; usar o corpo do outro é desonrá-lo, defraudá-lo reduzindo seu valor. Desonrar o corpo é matar e morrer; é tentar separar o interno e o externo, mas destruir ambos.

Da desonra à consistência através da esperança

O que me impressiona é que o remédio de Paulo para a impureza-desonra do corpo seja escatológico. Ele poderia ter prescrito chás, banhos frios, ou quem sabe uma boa terapia, mas em vez disso lança sobre os pobres fornicadores de Corinto um petardo teológico: “O corpo não é para a impureza, mas para o Senhor, e o Senhor para o corpo. Deus ressuscitou o Senhor e também nos ressuscitará a nós pelo seu poder” (1Co 6.14).

De que modo a ressurreição é uma resposta? Em primeiro lugar, ela é o inverso da desonra do corpo; é a honraria absoluta. Ela significa que o corpo tem um valor singular e eterno -- pois se destina ao próprio Senhor. A doutrina da ressurreição nos diz que o prêmio máximo para o eu é a vitalidade eterna do seu corpo; que a vida espiritual que habita no homem interior finalmente brilhará -- embora, como dissemos, com algum atraso -- através do homem exterior. Portanto, vale a pena amar o corpo e honrá-lo.

Ora, isso é o que chamamos antes de consistência ou integridade. No núcleo da ética sexual cristã deve estar a seguinte doutrina: que o corpo não deve ser o que a alma não pode ser. O corpo e a alma devem estar juntos, e o corpo deve se tornar transparente ao espírito. Ou seja, não posso ser no corpo o que não puder ser no coração. Meu corpo deve se tornar translúcido em minhas relações com o meu próximo. Minha face não pode ser uma máscara a ocultar minhas intenções, mas uma janela para meu homem interior; meu corpo deve ser amado e honrado -- seja ele alto ou baixo, novo ou velho, bonito ou feio, gordo ou magro -- porque o seu valor é o valor da minha alma. Ele é o símbolo, a parte visível daquilo que tem valor incondicional. Devo unir-me ao meu corpo, de modo que o meu coração fique à flor da pele.
Por isso, não posso me relacionar sexualmente com alguém se não puder entregar a minha alma na mesma proporção. Se amo a Deus, amo a mim mesmo. Se amo a mim mesmo, amo ao meu corpo, que é a superfície visível do que eu amo. E se compreendo a natureza do corpo, compreendo que o amor ao próximo é mediado pela sacralidade do seu corpo, e que o seu amor por mim é mediado pela sacralidade do meu próprio corpo. Quem quer instrumentalizar o corpo do outro não o ama, nem se ama; quem aceita ser desonrado pelo outro também não se ama.

E a esperança? É aquilo que abre meus olhos para o valor do meu corpo, e para o desejo de ser consistente.

Se alguém não consegue reconhecer sua própria dignidade, nem pode ver valor em ser consistente, é porque lhe falta a esperança. Ele só vê a morte diante de si. Todo homem que defende a libertinagem sexual só vê a morte diante de si, pois é o desespero o que arranca do homem a integridade e o faz entregar o corpo ao prazer impuro.

Por isso Paulo deu aquela resposta escatológica: “Lembre-se da ressurreição”! Ela é a certeza de que o seu corpo tem valor e deve ser amado, e que o seu corpo e a sua alma não devem ser separados, pois foram feitos um para o outro -- ou melhor, eles foram feitos para ser um só.

E que outra coisa poderia ser a “pureza sexual”?

Não é essa a pureza das crianças?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Impureza Sexual: Tem Cura?


Outro dia tive uma conversa estimulante mas também algo abaladora com um pastor, no final de uma palestra sobre educação. Na palestra eu havia mencionado um princípio do pensamento reformacional - a idéia de que não há contradições estruturais na ordem criada. Assim não há contradição essencial entre, por exemplo, a esfera da justiça e a da moral, ou entre a esfera estética e a esfera da fé, e assim por diante. Mas uma das minhas alegações fez acender luzinhas no painel dos presentes, incluindo no do amigo pastor: a de que não haveria contradição estrutural entre as esferas biológica e psíquica e a esfera moral.

Ao término da exposição ele reagiu prontamente com uma questão muitíssimo prática: a tentação sexual: "há pouco eu aconselhei um homem envolvido em adultério. O casal está aos poucos se refazendo, e a esposa está disposta a perdoar; quanto ao marido, ele deixou claro para mim que amava a sua esposa. Ele simplesmente foi fraco e caiu. Não lhe faltava amor; faltava-lhe forças para resistir à tentação sexual. Mas isso não implica em uma contradição entre o nível biológico e o nível moral?"

Sem dúvida, as impressões do pastor refletiam um lugar-comum da imaginação evangélica: a tentação seria uma fraqueza interna ao campo sexual, a ser vencida por meio de uma resistência ao desejo sexual, seja por uma intervenção diretamente biológica (arrancar os olhos, ou outra coisa, eventualmente) ou por uma equilibração psíquica. De um modo ou de outro, espera-se que o desejo sexual distorcido seja controlado. Mas se, enfim, perdemos o controle, é porque falta disciplina no trato com o desejo. Precisamos disciplinar o corpo, basicamente; dobrá-lo pela supressão do desejo.

Pois bem; essa é uma das mais falsas verdades que os cristãos gostamos de espalhar. É uma verdade, sim, que o corpo deve ser disciplinado, e o desejo controlado; não é o "domínio próprio" um fruto do Espírito? Entretanto, é uma baita falsidade que possamos controlar os desejos assim mecanicamente, ou mesmo "cirurgicamente".

Imagine o mundo sem o pecado

Façamos alguns exercícios de imaginação cristã; imaginemos o mundo sem pecado. Nesse paraíso, Adão tem desejos de todos os tipos, incluindo os desejos sexuais. Esses desejos tem uma base instintiva biopsíquica, e são acionados automaticamente por sinais óbvios: a forma do corpo da fêmea, certas cores, certos cheiros, etc. Adão está sujeito a tais estímulos exatamente como qualquer outro macho de sua espécie, sendo que sua sexualidade, nesse nível, tem forte analogia com a de outros animais.

Mas Adão não é apenas um animal, feito de pó como todos os outros. Adão é o pó com o sopro divino, é o portador da imagem de Deus. De algum modo essa imagem está impressa no mesmo pó do qual as outras criaturas foram feitas, e entre as características particulares que Adão apresenta está a sua função moral. Adão é capaz de um altruísmo perfeito, muito além do altruísmo de cães e golfinhos. Ele é capaz de amar de forma pura, reconhecendo na forma da fêmea não um corpo adequado ao acasalamento, mas a superfície material de uma pessoa; não como mero objeto, mas como evento dotado de profundidade pessoal, como um Tu que precisa ser amado incondicionalmente por meio do trato que se dispensará ao seu corpo.

Teríamos aqui uma contradição estrutural? Haveria aqui um choque da dinâmica biopsíquica contra a dinâmica moral? Penso que temos excelentes razões para crer que não; não apenas razões teológicas (tudo o que Deus criou é bom) mas também filosóficas. Vou lançar mão aqui da noção de sobredeterminação utilizada em ontologia (a teoria sobre a natureza da realidade). O conceito não é muito complicado, mas exige alguma atenção.

Sobredeterminações ontológicas

A idéia de sobredeterminação ontológica é a idéia de que a dinâmica própria de um nível superior da realidade não contradiz, mas sobredetermina a dinâmica de um nível inferior. Um exemplo clássico disso é a relação entre a dinâmica biótica seus processos químicos subjacentes. A matéria, como se sabe, se associa ou se desassocia segundo leis físico-químicas, e essas leis por si mesmas não produzem seres vivos. Por outro lado, seres vivos apresentam processos exclusivos em relação aos seres inanimados; processos como a reprodução, o metabolismo, e a conservação de informação complexa.

Naturalmente, para realizar todos estes processos, os seres vivos dependem de processos físico-químicos, que seguem leis físico-químicas. Mas se as moléculas que compõe a estrutura de uma célula viva apenas obedecessem a leis físico-químicas, ela se desfaria. As moléculas da célula obedecem às leis físico-químicas dentro de restrições e especificações impostas pela dinâmica biológica do organismo, segundo modos absolutamente improváveis, de um ponto de vista puramente químico. Quando as moléculas da célula seguem apenas as leis físico-químicas, sem nenhum controle biótico, ela se desfaz - porque, obviamente, ela está morta. Dizemos, portanto, que há na célula uma sobredeterminação das leis bióticas sobre as leis físicas.

A sobredeterminação moral

Ora, o mesmo vale para outros níveis da realidade. Há uma sobredeterminação psíquica sobre os processos biológicos do ser humano; e uma sobredeterminação sociológica sobre processos psíquicos; e no final da escala, uma sobredeterminação religiosa e moral sobre todos os níveis estruturais do ser humano. As normas de um nível superior de função humana não contradizem as normas do nível inferior, mas lhe dão formas particulares, habilitando-as a existirem no nível superior. Pense nas moléculas da célula: pela "obediência" às leis bióticas, elas deixam de ser apenas "matéria", e se tornam parte de um ser vivo.

Ora, o que queremos dizer com isso é que é preciso ser um animal para ser um homem; no entanto essa é uma condição "necessária mas não suficiente". A vontade moral e a capacidade humana de amar opera por meio de sua estrutura sexual, mas a transcende, elevando o corpo do homem à condição de espírito, de pessoa. Mas assim como a célula pode morrer entregando suas moléculas às leis brutas do mundo físico-químico, o homem pode morrer moralmente entregando o seu corpo aos estímulos biopsíquicos. O humano no homem pode ser negado e perdido por falta de vontade.

Onde se localiza, então, a falha da impureza sexual? Não no nível sexual, seja em seus aspecto biológico ou psíquico, mas no nível moral. Quando pecamos por impureza sexual, não pecamos por excesso de sexualidade, por excesso de desejo sexual, ou por excesso de estímulo sexual (primariamente falando), mas por falta, por ausência. E aqui estamos simplesmente sendo Agostinianos: o pecado é a privação do bem. O problema da impureza é a ausência moral, não o excesso sexual.

Um Truísmo?

Estaríamos nós dizendo o óbvio? Sim e não. Sim porque isso é simplesmente o que as Escrituras e a tradição ensinam. Não porque isso não é de modo algum a teologia moral popular no meio cristão. Pensemos na conversa com o pastor, que mencionamos acima. Ele afirmou com grande convicção que o marido traidor, no fundo, amava a sua esposa. Ele caiu por ser fraco, não por falhar no amor.

À luz do que acabamos de considerar, no entanto, eu diria que não. Com certeza, o marido traidor amava a sua esposa; mas ele não a amava o suficiente. Na verdade, ele não caiu por fraqueza sexual (ou excesso de desejo sexual), mas por falta de amor. Não foi isso o que nos disse o Apóstolo? "O amor não faz mal ao próximo". Jesus não caiu e não cairia nessa tentação, não porque não tivesse os mesmos desejos sexuais, mas porque ele saberia olhar para cada pessoa envolvida com amor de verdade.

Sejamos específicos: aquele que adultera deixa de amar à sua esposa e de considerá-la como pessoa de valor infinito. E deixa também de amar à sua "amante", tratando-a egoisticamente. Aquele que procura a prostituição, seja ela real ou virtual, não ama aqueles que estão escravizados ao mercado sexual, e tampouco ama a si mesmo; pois se sujeita a ser manipulado e explorado por indivíduos que não tem um pingo de respeito ou preocupação com o seu destino, desde que esvaziem os seus bolsos.

De modo algum eu pretendo dizer com este argumento que não exista o vício sexual; mas sustento que até mesmo o vício tem os seus começos na falta de amor genuíno pelo outro. Todo aquele que sofre com a impureza sexual deve saber, e dizer para si mesmo claramente, que ele não é um pobre coitado, aprisionado por impulsos sexuais e por uma dinâmica biopsíquica ultimamente má inventada por um Criador maldoso. Mil vezes não. A concupiscência existe, sim; mas é uma erva danina. Ela só cresce quando o amor está ausente. E quando ele está presente, alguma coisa forçosamente mudará. É por isso que Santo Agostinho pôde declarar com tanta confiança: "ama e faze o que quiseres".

Problemas oftalmológicos

De acordo com Jesus, a impureza é uma doença dos olhos, de certo modo; um problema oftalmológico, mas altamente infeccioso, a ponto de ele receitar a amputação: "se o teu olho de faz tropeçar, arranca-o". Mas Jesus sabia o que dizia. Ele deixou claro que o que contamina o homem é o que sai do seu coração, não o que entra pela sua boca. A doutrina da "amputação" é uma referência metafórica à mudança dos olhos.

O ser humano tem sérios problemas com os olhos. E eu quero chamar a atenção dos meus companheiros, os homens. Recentemente recebeu alguma cobertura o resultado de uma pesquisa feita na universidade de Princeton, sobre os padrões de resposta neurológica de homens diante de imagens de mulheres. O que Susan Fiske, a diretora da pesquisa descobriu, é que as imagens de mulheres com teor erótico ou sensual, e especialmente as imagens de partes específicas do corpo sem a revelação da face, despertam as mesmas áreas do cérebro masculino tipicamente associadas ao uso de ferramentas e objetos inanimados, ao mesmo tempo em que desativam as partes associadas às relações sociais.

Ou seja, de algum modo a nossa sociedade desenvolveu uma forma de desassociar o interesse sexual da sensibilidade moral a partir da nossa forma de olhar as mulheres. Fomos literalmente submetidos a um maciço treinamento pavloviano para nos acostumarmos a olhar mulheres como objetos, como superfícies materiais sem profundidade pessoal. Nas palavras de Susan Fiske, "eles não as estão tratando como seres humanos tridimensionais".

Isso é o que acontece quando suprimimos a nossa intuição moral e deixamos de ver pessoas diante de nós. Restam apenas corpos impessoais.

Olhar com Amor

Como, então, o amor se manifesta, no que tange à impureza sexual? De novo quero apelar para Paulo: "Não repreendas ao homem idoso; antes, exorta-o como a pai; aos moços, como a irmãos; às mulheres idosas, como a mães; às moças, como a irmãs, com toda a pureza." (1Tm 5.1).

Paulo sabia muito bem o que estava dizendo. Ninguém pode alegar (a não ser, é claro, em casos evidentemente patológicos) que não sabe o que significa olhar para uma mulher linda e não cobiçar. Basta ter mãe ou irmã - ou filha, eu diria. Todos nós sabemos muito bem o que é olhar alguém que, biologicamente falando, poderia ser apenas um objeto sexual, mas simplesmente não sentir interesse sexual por causa do amor, de uma relação de respeito e cuidado em que o outro é verdadeiramente reconhecido como pessoa e valorizado incondicionalmente. O amor faz a gente ter um olhar diferente.

Como é que o jovem Timóteo olharia para uma moça com "toda a pureza"? Olhando-a como se fosse uma irmã de sangue. Paulo nos convida aqui a usar a imaginação, e considerar as moças como se fossem irmãs. Ou seja, tomando-as como pessoas, não como objetos. Isso demandará uma revolução, nos dias de hoje, em que somos ensinados a enxergar os corpos humanos como bonecos de plástico. Jovens e adultos, homens e mulheres, olhando para seus pares, amigos e semelhantes como pessoas - não como nacos de carne, como pernas, bundas e peitos, mas como gente, como humanos com faces, como superfícies físicas de pessoas reais.

Honestamente, preciso dizer a todos os meus companheiros pecadores que não há uma cura completa para essas doenças do olhar, até que a nossa ressurreição seja consumada. Mas há o que Schaeffer chamava de "cura substancial". A impureza no olhar tem cura de verdade, embora seja um caminho difícil; pois amar de verdade é ainda mais difícil que reprimir desejos.

Mas, enfim, não há vitória na "pureza" obtida à custa de repressão do desejo. É inútil congelar uma célula morta para que ela não se desfaça. A única solução genuína e de longo prazo para o problema da impureza sexual é ter amor nos olhos.

Parodiando Santo Agostinho, eu diria: "ama e olha como quiseres".

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Igreja Brasileira na Cultura Emergente


Descrição do Tema:

Talvez a maior transformação cultural que observamos na história recente do ocidente seja a de um paradigma moderno de pensamento e cultura para aquilo que muitos denominam pós-modernidade. Dentre as grandes mudanças na cultura estão a transformação do conceito de verdade, o ressurgimento de formas variadas de espiritualidade, a crítica à noção de progresso econômico e tecnológico ocidental, o ceticismo em relação ao método científico como caminho privilegiado do conhecimento, o pessimismo em relação às grandes narrativas e ao futuro da humanidade e o pluralismo cultural e religioso.

De uma realidade apenas descrita em livros e análises culturais esta nova cultura, denominada emergente, já se mostra fundamental na formação das novas gerações. Dentro do universo cristão mundial tal mudança de paradigma, ou de visão de mundo, vem acompanhada da proposta de uma nova forma de cristianismo, que responda e se adapte às novas realidades. Para muitos, o cristianismo está emergindo de algo ultrapassado e estagnado para algo novo e dinâmico. Nesta onda de novidades, muitas têm sido as propostas de reformulação do pensar a fé cristã, incluindo expressões de sua espiritualidade, sua visão de salvação, suas formas de culto, de adoração e sua visão de verdade. O movimento cristão emergente, como vem sendo denominado, apresenta desafios reais a uma igreja resistente a mudanças, atraindo muitos daqueles que crescem em um novo contexto cultural.

Com um número expressivo de literatura, sites, blogs, grupos de estudo e igrejas pelo mundo e, crescentemente, no Brasil, os emergentes devem ser ouvidos em suas propostas e avaliados em seus riscos. Este é o contexto em que abordaremos o tema A Igreja Brasileira na Cultura Emergente, buscando entender esta nova realidade que nos cerca, oferecendo respostas cristãs sólidas e sensíveis ao nosso tempo. Isto será feito por meio de palestras, workshops, momentos de perguntas e respostas e muita comunhão nos dias 14, 15 e 16 de agosto de 2009, no aconchegante Sítio da MPC, em Macacos, MG.

Informações e Inscrições:

SOLICITE A FICHA DE INSCRIÇÃO E MAIORES INFORMAÇÕES PELO EMAIL:
labri.brasil@gmail.com

Ou ligue: 31 9225-1923 (Vanessa)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Publicada a Revista Diálogo & Antítese

Caros leitores,

Foi publicada agora em Maio o primeiro número da revista científica eletrônica da Aket, a "Diálogo & Antítese: Revista de Religião e Transdisciplinaridade":

Trata-se de um grande passo, não apenas para a Associação Kuyper, mas também para o progresso do pensamento cristão no Brasil!

Como editor da D&A, peço a todos o apoio para a revista, lendo artigos, escrevendo trabalhos e ajudando na divulgação.

Cor Et Res Coram Deo!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

HOJE: Colóquio da Aket em BH!

Caríssimos,

hoje à noite acontece o nosso primeiro colóquio mensal da Aket!

O propósito do colóquio é manter um espaço de compartilhamento e enriquecimento intelectual para os militantes e os simpatizantes do pensamento neocalvinista; uma oportunidade de se atualizar, conhecer gente e contribuir com indicações de livros, perguntas honestas e novas idéias.

No colóquio de hoje o Rodolfo vai falar de sua dissertação de mestrado na UFMG, e sobre como a filosofia reformacional é uma ferramenta excepcional para avaliar e julgar a estruturação e o resultado de projetos sociais e de desenvolvimento comunitário.

LOCAL: LIVRARIA STATUS - CAFÉ, CULTURA E ARTE, Rua Pernambuco 1150, SAVASSI.

HORÁRIO: 19h30

INFORMAÇÕES: Guilherme ou Alessandra (25358962)

quinta-feira, 28 de maio de 2009



Instituto Faraday Lança Documentário sobre Religião e Ciência


Não é de hoje que os líderes cristãos envolvidos com a integração de fé e academia procuram subsídios pedagógicos realmente úteis - que não pequem por amadorismo acadêmico ou de qualidade da produção.

Pois agora a resposta às orações de muita gente está chegando: o Instituto Faraday para Ciência e Religião está finalizando um programa especial de educação em Religião e Ciência para igrejas que será lançado em 1 de Julho deste ano. O programa, batizado com o nome "Test of Faith: Resources for Churches from the Faraday Institute for Science and Religion" (O Teste da Fé: Recursos para Igrejas do Instituto Faraday de Ciência e Religião) visa prover igrejas e ministérios envolvidos com o trabalho acadêmico com vídeos e textos de alto nível e grande acessibilidade.

Prêmio Internacional

O filme já foi exibido para públicos restritos. Em 16 de Março foi apresentado no Festival de Ciências de Cambridge, e noticiado em vários órgãos, como o Daily Telegraph. E já foi premiado antes mesmo do lançamento oficial - ganhou a prata como o melhor documentário do ano pela International Visual Communications Association.

O documentário será lançado oficialmente em Julho, mas eu tive acesso antecipado ao filme, que sairá com legendas em português (além do francês, russo, espanhol, chinês, e dublado em árabe e farsi). Eu não poderia assim deixar de dar aos leitores uma canja aos meus leitores.

Quem Fez

O projeto foi concebido e pilotado pela geneticista Ruth Bancewicz, pesquisadora associada do Instituto Faraday desde a sua fundação, em 2006, com o apoio de James Crocker. O Faraday recebeu um financiamento especial de 1,901,068 dólares da John Templeton Foundation para desenvolver o projeto em parceria com a Contrapositive New Media.

Várias sumidades no campo das ciências e da teologia foram convidadas para as entrevistas, incluindo o físico-matemático de Cambridge e pastor anglicano John Polkinghorne, o físico Ard Louis, de Oxford, o neurocientista Bill Newsome, o teólogo Alister McGrath, o diretor do projeto Genoma Humano, Dr. Francis Collins e o historiador da ciência Peter Harrison, entre outros. No terceiro documentário aparece o biólogo molecular John Bryant - muitos leitores gostarão de saber o que ele me disse pessoalmente: foi o encontro com Francis Schaeffer no L'Abri que salvou a sua fé.

Os Documentários

O programa é centralizado em três documentários que abordam as três frentes onde o debate sobre religião e ciência é mais intenso: a cosmologia, a biologia evolucionária e as neurociências.

No primeiro deles é apresentada uma exposição muito didática do conceito de "ajuste-fino cósmico" (fine-tunning), ou seja, a idéia de que o universo apresenta uma série de características singulares e surpreendentes que indicam a existência de um propósito e uma mente divina. O fenômeno do ajuste-fino cosmológico é a principal evidência para o que foi denominado "princípio cosmológico antrópico" - o universo foi projetado para que enfim o ser humano viesse à existência. O documentário discute ainda o status da noção de "multiverso", uma das saídas procuradas por cosmologistas não cristãos para escapar das implicações do princípio antrópico.

O segundo documentário trata do problema da evolução biológica. A crítica ao criacionismo da terra jovem e ao Design Inteligente é respeitosa mas incisiva. O roteiro apresenta uma defesa da compatibilidade essencial entre a idéia cristã de Criação e a teoria da evolução. E o grande argumento em defesa da posição evolucionista teísta é a descoberta de Simon Conway Morris, paleobiólogo de Cambridge, de que o fenômeno da convergência evolucionária - espécies separadas desenvolvendo características estruturalmente idênticas ou quase - é muito mais extenso e capilar do que se imaginava.

Morris e outros relacionam esse fato com o argumento cosmológico antrópico, sugerindo que a teoria da evolução, corretamente interpretada, não seria evidência de que a vida surge "por acaso". Antes, o mecanismo evolucionário seria na verdade um processo muitíssimo mais complexo e ainda insuficientemente compreendido de produzir complexidade. Ou seja: haveria evidência empírica de que a evolução foi dirigida por Deus. O segundo filme trata ainda do problema do mal, do aquecimento global e da vocação cristã de cuidar do planeta terra.

O terceiro documentário foca a questão da personalidade humana, no contexto das neurociências: seria possível, como alguns neurocientistas vem alegando, que a personalidade, a consciência - tudo aquilo que costumávamos chamar de "alma" - seja meramente uma projeção de nosso cérebro físico, um epifenômeno? Vários cientistas cristãos são convocados para explicar porquê essa alegação é gratuita: na verdade, cada movimento da personalidade humana tem uma contraparte neurológica, mas isso não prova que a personalidade seja uma ilusão, que o real seja apenas a química cerebral. Somos seres profundamente corporais, mas a mente é uma realidade emergente que transcende ao cérebro, e que é capaz de provocar mudanças reais no mundo físico. E porque nossas personalidades são reais, as questões de valores éticos também são reais, irredutíveis e insolúveis do ponto de vista da ciência do cérebro.

Além dos três filmes principais, os diretores produziram ainda três sequências "bônus" com entrevistas com cientistas, teólogos e filósofos.

Materiais Didáticos: O Brasil Precisa

Juntamente com os documentários a equipe desenvolveu um livro e outros materiais didáticos que serão lançados pela Paternoster na Inglaterra. Seria muito interessante se alguma editora brasileira manifestasse interesse pela tradução e publicação desses materiais de apoio no Brasil. Eles com certeza poderão ser muito úteis para a evangelização universitária e a educação cristã por essas terras, e carregarão consigo o peso de um documentário de alto nível.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Darwinismo Hoje: Impressões sobre o II Simpósio da Mackenzie


É possível um debate inteligente sobre Darwinismo e Design Inteligente no Brasil?

A julgar pelo clima belicoso cultivado cuidadosamente na grande mídia e na blogosfera muita gente já respondeu "não", e eu me contava entre os pessimistas até participar do II Simpósio Internacional da Mackenzie, "Darwinismo Hoje".

O simpósio incluiu vários nomes importantes: John Lennox, professor de matemática e de filosofia da ciência na universidade de Oxford, Paul Nelson, pesquisador do Discovery Institute e professor da Universidade Biola, e o Dr. Marcos Eberlin, professor da Unicamp, defenderam a posição do Design Inteligente. Adauto Lourenço foi também convidado a apresentar um mini-curso sobre o Criacionismo. Do lado evolucionista estavam o Dr. Aldo Mellender de Araújo, professor da UFRS e o Dr. Gustavo Caponi, da UFSC. Comentando o comportamento da grande mídia no trato da questão estava o jornalista Maurício Tuffani (para mais detalhes sobre a titulação e atividade de cada um, clique aqui). Mas falemos um pouquinho sobre as palestras e as idéias de cada um.

As Palestras e as Idéias

Os defensores do Design Inteligente (ou "DI") trataram de temas bastante diferentes, embora claramente interligados. O Dr. Lennox, que abriu o Simpósio na segunda à noite falando sobre "A Origem da Vida e os Novos Ateus", e tratou no terceiro dia dos "Fundamentos da Moralidade", soube explorar algumas das principais fraquezas da dobradinha evolucionismo/ateísmo: a incapacidade do materialismo em sustentar qualquer fundamento claro para a inteligibilidade do universo (citando explicitamente o Dr. John Polkinghorne), as evidências de "sintonia fina" (fine-tunning) no universo, que constituem um argumento teísta completamente independente da biologia evolucionária (o chamado "macro-design"), e as dificuldades imensas de fundamentar uma ética plenamente humana no darwinismo.

O Dr. Paul Nelson destacou a evidência científica contrária à macro-evolução levantada recentemente a partir de estudos genéticos, citando o ataque à "Árvore da Vida" de Darwin (o seu modelo de "especiação" ou multiplicação de espécies de seres vivos a partir de um ancestral comum) publicado pela revista New Scientist e demonstrou a origem surpreendentemente teológica dos argumentos Darwinistas contra o DI que se apóiam nas alegadas "imperfeições" como evidências de seleção natural não-inteligente. Na segunda palestra, destacou a dificuldade do Darwinismo de lidar com o fenômeno da consciência, com a realidade do mal, e com a exigência de uma ética genuína.

Já o Dr. Marcos Eberlin seguiu uma abordagem mais didática, apresentando as idéias básicas do DI, primeiro em uma oficina no terceiro dia do simpósio, e depois em sua própria plenária: "Fomos Planejados - A maior descoberta de todos os tempos." Que por sinal foi extremamente instrutiva. O Dr. Eberlin foi pródigo em apresentar massas de evidência bioquímica e genética de altos níveis de "complexidade irredutível", corroborando a abordagem lançada por Michael Behe em "Darwin's Black Box" ("A Caixa Preta de Darwin", publicado no Brasil pela Jorge Zahar Editor). O pesquisador Adauto Lourenço apresentou um mini-curso sobre Criacionismo para clarear as idéias dos curiosos sobre o assunto e prepará-los melhor para a discussão.

Os evolucionistas ateístas presentes limitaram-se a um tratamento também didático da questão, procurando esclarecer com precisão os fundamentos do Darwinismo contemporâneo. O Dr. Aldo Mellender falou sobre "Darwin ontem e Hoje: 150 anos de 'A Origem das Espécies'", oferecendo um esclarecedor histórico do desenvolvimento da teoria, desde seus antecessores até desdobramentos recentes como a sociobiologia e a explicação evolucionária do comportamento altruísta, e a contemporânea biologia evolutiva do desenvolvimento (a famosa Evo-Devo). Em sua oficina o Dr. Mellender introduziu os ouvintes ao complexo problema das correntes no Darwinismo contemporâneo - onde a situação é talvez um pouco mais confusa do que se imagina. O Dr. Gustavo Caponi apresentou um mini-curso sobre "Evolucionismo", explanando detalhadamente o conceito de "seleção natural", e fez uma exposição informativa sobre a principal obra de Darwin - "A Origem das Espécies". Ambos expressaram a visão quase consensual entre darwinistas ateístas de que pode-se falar no máximo em uma "teleologia naturalizada", na forma de um determinismo mecânico, mas não de teleologia genuína.

O Debate

E na última sessão deu-se o esperado "pinga-fogo" - a mesa redonda com todos os participantes (exceto o Prof. Adauto Lourenço), que responderam a questões formuladas a partir das perguntas feitas ao longo de todo o Simpósio. Em termos de lucidez e de gentileza é preciso dizer que ambos os "lados" empataram - ou que ambos igualmente venceram. Em especial precisamos destacar a atitude respeitosa e dialógica dos professores, Paul Nelson (DI) e Aldo Mellender (Evolucionista). Quisera Deus que muitos cristãos tivessem o espírito daquele filósofo ateu - e que muitos ateístas tivessem a oportunidade de conversar com um teísta como Paul Nelson.

Quanto aos argumentos, é difícil não concluir que os defensores do DI se saíram melhor. Talvez por uma razão mais ou menos óbvia: os DI's vem sofrendo ataques e articulando defesas contra os ateístas militantes há muitos anos, e desenvolveram uma competência elevada na apresentação de seus argumentos. Já os evolucionistas convidados se apresentaram de uma forma quase não-apologética, defendendo-se eventualmente de forma "ad hoc" e levantando críticas definidas mas evidentemente não muito desenvolvidas. Ninguém deve concluir, no entanto, que os argumentos dos darwinistas ateus acabam por aí: o resultado reflete apenas a realidade brasileira versus a realidade americana.

A despeito dessa concessão, o debate realmente mostrou uma realidade que vem se desenhando internacionalmente: o darwinismo ateu "militante" de fato não tem recursos suficientes para lidar com o problema do "sentido", da "racionalidade", do "valor" - enfim, com a experiência humana de que o círculo da realidade é maior do que o círculo da matéria pura. Há sentido e propósito no mundo, e não é possível esgotar o significado da vida humana a partir da seleção natural. Na verdade, de um modo contraditório, a meu ver, até mesmo Mellender e Caponi admitiram prontamente o fato, insistindo no entanto na prioridade da seleção natural como fonte de complexidade biológica e direcionadora do processo evolucionário.

Maurício Tuffani

Excepcional, e digna de nota aqui, foi a admissão do jornalista Maurício Tuffani (ex-editor-chefe e ex-redator-chefe da revista Galileu, ex-editor de ciência da Folha de São Paulo, entre outros méritos), de que o tratamento dado ao debate entre DI e Evolucionismo não foi equilibrado (ou justo), e que o fato reflete na verdade uma crise no jornalismo internacional. Entre outros problemas que se tornaram crônicos no Brazil estaria substituição da pesquisa e descoberta de informações pela mera divulgação de informações, o domínio do jornalismo por corporações, e a tendência do jornalismo opinativo de se tornar um mero espelho de certo público cativo.

Para quem acompanha o jornalismo científico, é um alívio perceber manifestações de sanidade em um ambiente tão polarizado pela desinformação sobre religião e ciência.

Um Balanço

O que poderíamos dizer, de um modo geral? A despeito do silêncio dominante, excetuado por uns poucos anátemas blogosféricos de ateístas militantes, é certo que o evento foi um sucesso se considerado do ponto de vista da urgente apresentação do debate sobre o Darwinismo e a Religião em termos maduros e genuinamente acadêmicos. Quem tinha preconceitos contra o evolucionismo ou contra o DI teve oportunidades reais de se atualizar.

Foi impossível não observar, no entanto, a total ausência de representação dos evolucionistas teístas ou dos criacionistas evolucionários. Na visão de alguns, isso obliteraria o conflito polar entre o DI e o naturalismo filosófico dos Evolucionistas ateus, e isso talvez não fosse interessante para a Mackenzie neste momento; talvez porque a introdução do DI na instituição já seja um dos objetivos principais do Simpósio.

Eu cheguei a perguntar ao Dr. Mellender sobre a obra de dos mais importantes paleobiólogos da atualidade - o Dr. Simon Conway Morris, da Universidade de Cambridge - que defende evidências de teleologia (e, assim, de uma providência divina) não nas "lacunas" do processo evolucionário, mas em seu próprio cerne, no fenômeno da convergência evolucionária. O Dr. Mellender expressou conhecimento da obra, e embora discorde de Morris, admitiu com um sorriso que o seu trabalho "é de meter medo" - para ateístas, é claro. Há também outros cientistas e/ou filósofos da ciência que tem visões mais nuançadas sobre a distância entre o DI e Darwin.

No futuro, quando a proposta do DI tiver lançado raízes mais fortes na instituição, seria de grande valor para o diálogo entre religião e ciência no Brasil a inclusão de nomes como Alister McGrath, Jacob Klapwijk, ou Del Ratzsch, cuja reflexão sobre DI e Evolução já mais alguns passos adiante.

Não poderíamos encerrar essa reflexão sem manifestar o nosso apoio à Universidade Mackenzie e à sua Chancelaria. A direção dessa universidade está envolvida em um importantíssimo projeto de promover a educação e a erudição acadêmica com raízes e traços claramente cristãos e reformados. Tenho ciência de que muita gente - inclusive muitos cristãos evangélicos - não vêem tal empreendimento com bons olhos, unindo-se na desconfiança à sociedade secular. Mas a estes eu só poderia sugerir que se informem melhor a respeito. Se há alguma falha, que se reconheça a coragem de confessar a Cristo no mundo acadêmico, e que se devolva o justo cumprimento da genuína cooperação.

O fim da modernidade e a aproximação do mundo pós-secular são um fato, e os cristãos conscientes deveriam ser os últimos no mundo a sentir saudades da universidade "laica". Que de "laica", é certo, nunca teve nada; mas isso seria assunto para outro artigo!

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Religião e Ciência 2.0

Um apelo muito ponderado sobre a atitude a respeito do debate sobre religião & ciência no blog do Osame (Sem Ciência), baseado em sua palestra dada na USP na semana passada. Vale a pena conferir!

Religião e Ciência 2.0

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Páscoa: Porque Lembrar é Ser



Porque é importante celebrar a páscoa?

O ser humano é aquele que se lembra. É porque temos memória que temos identidade. O animal pode ser algo diferente a cada momento em que acorda de novo sem nem mesmo saber a razão da mudança, pois ele não carrega o seu passado consigo. Ele não pensa sobre o seu passado, sobre o que foi, e a relação disso com o que ele é, e com o que ele será amanhã. Mas o ser humano não é assim.

O ser humano é feito de uma fusão, em sua consciência presente, do passado que ele foi e do futuro que ele quer ser. O ser humano tem consciência de sua temporalidade. É por isso que temos tradições e temos história pessoal, e nos lembramos de "quando eu tinha dez anos...". É por isso também que a gente muda - é porque decidimos ser diferentes do que fomos antes, em muitos aspectos.

Mas há coisas que desejamos esquecer; às vezes legitimamente, às vezes não. E há uma coisa que o mundo contemporâneo gostaria de esquecer a qualquer custo: a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, o Filho de Deus. A Cruz é o testemunho fincado bem no meio da estrada da história de que o homem tomou a direção errada e de que Deus apareceu para corrigi-la. Na maior parte do tempo as pessoas se desligam do fato, mas precisamos lembrá-las, e precisamos lembrar a nós mesmos de que o sentido e o fim da história já foram revelados, de que a nossa vida já foi iluminada, explicada e avaliada pela Cruz.

Doravante é inautêntico e falso tentar viver como se nada tivesse acontecido. Seria como continuar dançando alegremente no salão de festas do Titanic enquanto o navio afunda. A verdade sobre quem nós somos e sobre o julgamento do mundo já foi desvelada, assim como a verdade sobre a presença de Deus e a redenção em Jesus.

Isso significa que precisamos nos lembrar sempre desse grande evento: diariamente, semanalmente, e anualmente. Não para relembrar um fato externo a nós, apenas, mas também para relembrar a verdade sobre a nossa condição interna, sobre quem nós realmente somos.

Ter um período do ano totalmente dedicado à celebração e à reflexão sobre a última ceia, o sofrimento, a morte e a ressurreição de Jesus nos ajuda a lembrar porque é que somos cristãos, ao invés de ser outra coisa. Nos ajuda a entender que enfim não podemos ser outra coisa, e que nenhum ser humano jamais poderá ser autenticamente outra coisa, e que se algum ser humano decide ser outra coisa, está deixando de ser o que é.

Então, enquanto o mundo se lembra de coelhos e ovos, vamos aproveitar o momento para voltar à realidade e para chamar o mundo à realidade, para se lembrar da Cruz de Jesus Cristo. Vamos cultivar a tradição de lembrar o que não pode ser esquecido, pois deixar de lembrar é deixar de ser.

E assim, relembrando o que Deus fez por nós ontem, saberemos quem somos hoje, e o futuro glorioso que nos aguarda no amanhã.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Porque usar a Ciência para testar Deus? - A propósito da reportagem no Blog do The Guardian


Hoje cedo Ian Sample, correspondente de ciência do The Guardian, publicou um comentário juntamente com o áudio da entrevista concedida a ele por John Polkinghorne, físico-matemático e sacerdote anglicano, autor the diversos livros de referência sobre o diálogo de ciência e religião. A entrevista fora motivada pelo lançamento recente do novo livro de Polkinghorne, Questions of Truth: God, science and belief, no qual vários aspectos do debate sobre ciência e religião são tratados em forma de pergunta e resposta.

No conteúdo da entrevista, nada muito especial, de fato. Sample pergunta sobre as razões para a crença de Polkinghorne em Deus, na encarnação do Verbo, na ressurreição dos mortos, na vida após a morte, etc. No finalzinho temos uma questão sobre criacionismo e Design Inteligente em escolas, e foi só. As respostas de Polkinghorne foram sóbrias, essencialmente ortodoxas e claramente escandalosas para o entrevistador. É o que se depreende de seus brevíssimos mas esclarecedores comentários sobre o assunto.

"Eu estava interessado em falar com John porque desejava tentar compreender como ele poderia crer em coisas extraordinárias para as quais não há nenhuma evidência. Isso é o que me fascina a respeito de pessoas religiosas [...] Eu não tinha nenhum interesse em atacar as crenças de Polkinghorne, confusas o quanto me pareçam, mas eu queria saber porque ele sustenta as crenças que sustenta. O irritante foi que eu não alcancei o tipo de insight que esperava."

Foi o que ele disse, em meio a resumos bastante simplórios e banalizantes das crenças de Polkinghorne. Nenhum diálogo lúcido, nenhum esforço visível para compreender o sentido da fé cristã. Mas aqui, certamente, precisamos dar ao leitor um pouco mais de orientação contextual. Polkinghorne colaborou com ninguém menos que o prêmio Nobel Paul Dirac, foi professor de física matemática na Universidade de Cambridge - como colega de Stephen Hawkings - ex-diretor do Queen's College e fundador da International Society for Science and Religion.

Mas não é apenas o seu currículo o que é preocupante para uma pequena mas ruidosa minoria de cientistas céticos; o fato é que o trabalho de Polkinghorne para mostrar as ligações implícitas entre a religião e a ciência já mostrou o seu valor permanente. O verdadeiro motivo da entrevista de Sample foi o livro a que nos referimos, Questions of Truth: Fifty-one Responses to Questions About God, Science, and Belief (Westminster John Knox Press), escrito com a assistência de Nicholas Beale. Como se não bastasse o aval de dois prêmios Nobel ao livro, além de diversas figuras já conhecidas como Alister McGrath e Francis Collins, o lançamento da obra foi feito na Universidade de Chicago, no encontro anual da American Association for the Advancement of Science (AAAS, a "SBPC" americana) e em um evento especial da Royal Society, com a presença de três vice presidentes, e mais de quarenta membros da mais distinta Associação Científica do mundo. Para o desespero dos "Novos Ateus". O secularista inglês A. C. Grayling acusou Polkinghorne no The Humanist de "desonrar" a Royal Society e considerou a coisa toda um escândalo. Mas a julgar pelo apoio dos FRS (Fellows of the Royal Society) a Polkinghorne, a sua irritação não reflete nem mesmo o establishment científico inglês atual.

Não é de se admirar, portanto, que alguns céticos se sintam atônitos. Coisas assim não deveriam acontecer. Cientistas renomados não deveriam ter fé, nem ser membros da Royal Society. Mas isso nem sempre os leva a considerar seriamente o cristianismo diz. E alguns deles se lançam a esforços pouco científicos como o de tentar compreender em uma entrevista de treze minutos se este ou aquele cientista crente não tem, afinal de contas, um parafuso solto. Mas eu não creio que Polkinghorne tenha fé devido a um parafuso solto. Eu o conheci pessoalmente em Cambridge, e posso garantir que sua lucidez corresponde perfeitamente à sua titulação acadêmica.

Se Ian Sample se desse ao trabalho de investigar o que, afinal de contas, está por trás das crenças de Polkinghorne e de outros cientistas influentes sobre Deus e o Cristianismo, descobriria que há, sim, sérias motivações para a crença em Deus e, mais ainda, para a crença no Deus de Jesus Cristo, o Deus-Pai, Criador do Céu e da Terra.

Como Polkinghorne gosta de apontar em seus livros, o fundamento original de todas as coisas não é uma força ou uma substância material, mas uma pessoa infinita. E pessoas não são conhecidas por meio de metodologias objetificantes, apropriadas apenas a fatos impessoais. Pessoas são conhecidas no interior de relações do tipo Eu-Tu, nas quais a confiança, e não o teste experimental, é a principal ferramenta cognitiva. Pessoas são invisíveis para a ciência empírica, mas nem por isso são menos reais. Portanto a ciência é inútil para "provar" Deus. No máximo ela pode "falsificar" os falsos deuses.

Não é verdade que Polkinghorne crê em coisas sem nenhuma evidência, como Sample sugere maldosamente. Não apenas há evidências que apontam para Deus, mas experiências de um Deus pessoal que, embora reais, estão além do espectro visível aos olhos da ciência empírica.

Isso é sem dúvida "irritante", como o disse Sample, para pessoas que gostariam de passar o universo inteiro por tubos de ensaio. Mas se até mesmo eu sou grande demais para um tubo de ensaio, o que dizer do Criador Pessoal de todas as coisas?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

III Ciclo de Palestras L'Abri -Aket: A Natureza do Cristianismo


Vem aí o III Ciclo de Palestras L'Abri-Aket com o tema "A Natureza do Cristianismo"

A série reúne uma série de temas centrais da fé cristã: o credo apostólico, a espiritualidade e a ética cristã; a idéia de hospitalidade e a relação entre cristianismo e hedonismo, entre outros.

Os Preletores serão Guilherme de Carvalho, Rodolfo Amorim e Vanessa Belmonte.

O evento é uma promoção do Centro de Referência L'Abri Brasil e da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares, com o apoio da Escola de Música Minueto.

Próxima Quarta: A Mensagem do Credo Apostólico

Na primeira palestra, por Guilherme de Carvalho na próxima quarta feira (08 de Abril), vamos examinar o Credo Apostólico como uma síntese da visão cristã de Deus e de sua relação com o homem. Não perca!

Datas e Horários:

As Palestras serão oferecidas ao longo de seis semanas (8, 15, 22, 29/04 e 06/05), sempre às quartas feiras às 20h.

Local:

MINUETO CENTRO MUSICAL
RUA PAULO SIMONI, 54 - SAVASSI

Informações: Vanessa ou Alessandra (91653382)

sexta-feira, 27 de março de 2009

Para Que Servem os Homens?

Uma pérola que encontrei no Blog do Paulo Brabo. Imperdível:

http://www.baciadasalmas.com/2007/pra-que-servem-os-homens/

A Ciência Precisa da Religião?

Já está disponível na "Plataforma" da Ultimato mais um artigo sobre Religião e Ciência traduzido por mim. É o Faraday Paper 2, por Roger Trigg, que traz reflexões bem interessantes sobre a articulação entre a crença em Deus e a ciência.

O FP 1 (O Debate sobre Religião e Ciência - uma introdução), por John Polkinghorne, está disponível na Plataforma também.

Os Faraday Papers são um projeto do Faraday Institute of Science and Religion, da Universidade de Cambridge. Para quem quiser, os originais em PDF estão disponíveis AQUI.

terça-feira, 24 de março de 2009

O "Besteirol na Ciência", o Cientificismo e o Senso Comum

Causou furor a coluna de Ruth de Aquino na revista Época, publicada na última sexta-feira (20/03).

Sob o título "O Besteirol na Ciência é Melhor do que no Senado" a jornalista lançou uma espécie de "ataque surpresa" à comunidade científica - ou, ao menos, assim ela foi interpretada por muita gente. É o que se pode deduzir das respostas imediatas nos comentários online e em alguns dos principais Blogs de ciência do Brasil.

Na verdade a jornalista não atacou a ciência diretamente, em nenhum momento. Em seu artigo ela meramente alistou uma série de experimentos científicos que aparentemente teriam pouquíssimo ou nenhum poder explanatório, como o caso de uma pesquisa sobre os benefícios de 15 minutos de recreio para o rendimento de crianças na escola ou sobre o poder de "genes gay" (supostamente responsáveis pela gentileza e pela sensibilidade) para atrair mulheres. Nesses e em outros casos tempo e dinheiro foram gastos para demonstrar fatos óbvios ao senso comum, ou para trazer resultados inúteis. Ao fim do artigo ela aponta uma de suas fontes: uma entrada da wikipedia sobre o prêmio "IgNóbel" - uma paródia do prêmio Nobel sobre pesquisas científicas "cômicas".

Mas a reação ao artigo foi vastamente negativa. Houve quem declarasse guerra à jornalista. Entre ameaças de patrulhamento e petardos virtuais alguns cientistas defenderam uma das pesquisas criticadas por Ruth em seu artigo - um grupo de cientistas da Universidade de Princeton "descobriu" que a visão de mulheres de biquíni desperta nos homens a mesma área do cérebro estimulada quando eles vêem objetos e ferramentas; e que a sua memória para corpos sexualizados de mulheres - sem os rostos - é mais ativa do que memória para mulheres vestidas ou homens. Ruth de Aquino seguiu a linha da reportagem na seção de Ciência do The Independent, "University of the bleedin' obvious", que também ridicularizou as obviedades da pesquisa.

Em defesa de seus colegas o editor de "Brontossauros em meu Jardim" - premiado Blog de ciência brasileiro, atacou o sentimento "anti-científico" da jornalista e defendeu a pesquisa de fatos aparentemente banais com o seguinte argumento: "o papel da Ciência é exatamente desafiar o nosso senso comum, que um péssimo parâmetro para se descobrir como funciona o nosso universo. Por essa razão, é necessário realmente testar o senso comum para ver se ele corresponde a realidade."

Um outro blogueiro cientista disse que a pesquisa não era tão trivial, afinal de contas, e que os resultados ao menos fortalecem a afirmativa de que o uso de mulheres seminuas em anúncios desumaniza as mulheres, "para além de achismos e senso comum (que podem ser contestados pelos cínicos de plantão)."

E com isso já temos fatos suficientes para levantar a questão: será mesmo que o papel da ciência seja essencialmente "desafiar o senso comum"? Cientistas precisam tomar muitas decisões antes de iniciarem uma pesquisa científica. E essas decisões que antecedem à prática científica, tanto temporalmente quanto logicamente, não são tomadas "cientificamente". Elas ocorrem no universo do malfadado "senso comum" - o mesmíssimo universo no qual se encaixam inclusive as manifestações iradas de alguns blogueiros científicos. A ciência não vive para desafiar o senso comum. Ela faz isso, muitas vezes, mas o senso comum é simplesmente o nosso habitat natural. A ciência é um útil parêntese dentro do senso comum; é uma ferramenta criada e manipulada pelo senso comum.

Pois bem: quero aproveitar o momento para defender exatamente o contrário do Blog supracitado: que precisamos sim de pesquisas como aquela de Princeton (discordando de Ruth de Aquino); só que não para substituir, mas antes para retornar ao senso comum - e ao conhecimento não-científico de um modo geral.

É inegável que os resultados da pesquisa em questão sejam uma evidência empírica que pode ser usada contra o setor publicitário, por exemplo, para defender as mulheres da desumanização a que elas são expostas todos os dias; e também são uma confirmação a mais da crítica cristã ao libertinismo sexual como um posicionamento destrutivo da dignidade humana. E em termos científicos apenas, precisamos concordar: a pesquisa não foi tão trivial. Ela levantou alguns fatos interessantes. Eu mesmo já penso em aproveitá-las para alguns fins não-científicos.

Mas é impossível não perceber quão pouco econômico é o irmão perverso da ciência, o cientificismo, expresso por alguns críticos da nossa jornalista. Para pessoas que assumem a inexistência de conhecimento seguro fora da demonstração científica, o senso comum e até mesmo a racionalidade moral parecem tão indignos de confiança que não podemos em sã consciência fundar neles as nossas decisões. E assim, testemunhamos essa horrível anomalia: que não tínhamos como combater o abuso do corpo feminino na mídia, até agora. Porque? Porque nos faltava o estudo dos pesquisadores de Princeton. Faltava a voz de um oráculo científico.

O cientificismo é viciado no que eu chamaria de desperdício doxástico. Ele precisa desafiar cada crença religiosa sem base empírica, cada preceito tradicional, cada valor social, cada intuição moral, cada arrazoado sobre comportamento, de um modo quase obsessivo. Para o cientificista, podemos sustentar opiniões morais - sobre a objetificação das mulheres no mundo publicitário, por exemplo - mas não poderemos considerar tais opiniões como verdadeiras, nem tomar decisões sérias com base nelas, até que sejam testadas empiricamente. Até lá, tais opiniões não passam de cismas feministas ou fundamentalistas.

E então a gente se pergunta: não fosse o cientificismo, com sua suspeita exagerada do senso comum, será que a tal pesquisa seria realizada só para dar "base empírica" ao óbvio? Talvez, se a filosofia, a teologia e a vovó fossem tratadas com menos ceticismo, sobrassem mais verbas de pesquisa para outros assuntos.

Ora, não é isso um maravilhoso exemplo do que nos disse o bom e velho Chesterton? "O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão". Loucura é isso, ser profundamente rigoroso, preciso, movendo-se sempre em um círculo lógico perfeito mas perfeitamente minúsculo de demonstrações meticulosas. Pessoas normais não aguentam viver assim de modo consistente. É cognitivamente caro demais.

A modernidade criou uma sociedade neurótica, em que fatos morais conhecidos e até bem justificados pela filosofia, pela religião ou até pelos conselhos da vovó não podem ser assumidos e aplicados na esfera pública simplesmente porque se tratam de "valores" e não de "fatos científicos", ou porque isso despertaria a atenção das patrulhas céticas ou agnósticas do mundo acadêmico. Os modernos suspendem o juízo moral, mesmo quando já estão à beira da morte, só porque um paper decisivo sobre o assunto ainda não foi publicado. Prendem a respiração para evitar intoxicações não-científicas, como se cessar a respiração fosse uma coisa inócua.

Mas enfim, se pudermos convencer algumas pessoas a voltarem a respirar, está bem. Pesquisas sobre as bases neurológicas da moral, ou sobre os benefícios de certos valores na vida humana (para dar alguns exemplos) podem ser usadas por pessoas normais como evidências de que precisamos dar mais ouvidos ao senso comum, à sensibilidade moral, à filosofia e à religião.

Nesse caso, Ruth de Aquino está errada. Pesquisar o trivial pode ser útil quando não temos mais olhos para ver nem ouvidos para ouvir.

E ela não está errada somente por isso. Um grave perigo potencial no artigo da Época foi apontado por alguns cientistas: que estamos num país que investe pouco em ciência e não valoriza adequadamente os seus pesquisadores. Por esse ângulo, o artigo é um desserviço.

Quanto aos cientistas, eles estão certos quando defendem o dever da ciência de investigar o aparentemente óbvio e descortinar as sutilezas inesperadas da realidade; mas estão desorientados quando pretendem demolir e refazer o universo humano na base da prova empírica. Os erros da jornalista não chamarão mais a atenção do grande público do que a misantropia de alguns cientistas que se sentem atacados por dar pouco valor ao senso comum e ainda conseguem se enxergar dentro das críticas ralas de Ruth de Aquino.

Em suma, a jornalista da Época e os seus críticos estão certos e errados ao mesmo tempo, por razões diferentes. Talvez o imaginário de alguns cientistas precise mesmo de uma boa dose de senso comum, e eu diria mais - de filosofia e de conhecimentos não-científicos. Não para interromper a ciência, mas para levantar questões mais interessantes.

E talvez precisemos realizar essas pesquisas "triviais" não para substituir, mas para chamar a sociedade de volta à razão não-meramente-científica e ao senso comum. Afinal, é deste solo que nascem as boas questões.

domingo, 22 de março de 2009

Espaço Religião & Ciência na Ultimato

Caros leitores,

A Revista Ultimato disponibilizou um espaço semanal dedicado a temas de Religião e Ciência. Fiquei de editor do espaço, que será dedicado a notícias sobre o campo, artigos populares (nacionais ou traduzidos) e comentários críticos. Temos já uma mensagem de abertura e um artigo de John Polkinghorne disponíveis:

As Muitas Relações entre Ciência e Religião

O Debate entre Religião e Ciência: Uma Introdução (John Polkinghorne)

Para quem quiser, o original e a tradução do artigo de Polkinghorne estão disponíveis em PDF no site do Faraday Institute.

quinta-feira, 12 de março de 2009

O Desespero

Como é possível? Que a força por trás de coisas tão diferentes seja a mesma angústia profunda, o mesmo abismo de desespero?

Por trás da paixão do adolescente e da paixão do adulto; por trás da excelência do músico, e por trás do indomável homem de negócios (a coisa mais parecida com um caubói em nosso pacato capitalismo urbano); por trás do rigor da mente e da tolice, da devoção religiosa e do ateísmo;

da fealdade profunda, e da beleza na superfície;

O desespero, conhecido ou ignorado. O desespero sem amor, já o disse Kierkegaard. Sim, foi uma revelação enxergar o desespero que move o amor romântico, tal qual Ungoliant, o ser maligno que secou Telperion e Laurelin, as Duas Árvores de Valinor, e nem assim saciou-se.

Deus, faz-nos ferver de desespero (se preciso for) até que todos os nossos ídolos se derretam.

E o ouro puro da esperança só reste

no coração daquele que confia em ti.

sábado, 10 de janeiro de 2009